quarta-feira, 4 de novembro de 2009




Olha Pedro Américo aí!

* Por Marco Albertim

Recife tem novo ficcionista. Estreou rápido, Pedro Américo; tão ligeiro quanto a agilidade de seu texto. A impressão que passa é de que o autor escreveu de uma só penada. Viagem de Joseph Língua é uma novela que não tem compromissos com requintes literários; o que não quer dizer que padece de atropelos. O único atropelo que Pedro Américo cometeu foi não ter escrito uma história linear. Mas essa técnica todos já conhecemos, inda que nunca nos enfade. No caso, sem linearidade, o autor não se perdeu, em nenhum instante desarticulou-se. Pouco mais de cem páginas com vinte capítulos. Sem títulos, mas com o inteligente recurso de começar cada primeiro parágrafo com tipos em negrito, maiores, à moda de títulos. O recurso, além de compensar a ausência de títulos, tem o efeito de atrair, como uma irrecusável isca.

Socorrendo-se no personagem, diz o autor que “verossímil é o que se tece original, não o símio clichê, que se repete em busca de raiz, complexo de vegetal.” Sarcasmo e deboche de humorista, deboche nada vulgar. Em seguida, diz: “O artista o que procura é o oxigênio do ar, sopro de vida.” Pedro conseguiu, encheu-se de “oxigênio” em tão poucas páginas. Conseguiu fazendo caricatura sem traços de desenho; assim, confessa-se “fora com a máscara da verdade, sempre patética; anatomia do corpo vivo e bulindo e as feições da língua de quem quer que seja, eis o meu estudo.” Caricatura e confissão de propósitos. Também opta pelo óbvio, mas dito com sobriedade sonora, posto que “A vida é combate atroz e inútil, mas combate, morou?” Olha Pedro aí...Ele próprio se confessa portador da “mazela da angústia universal, que não é possível suportar sem uma boa dosagem de lirismo e sarcasmo.” É dedutivo com simplicidade, sem sofisticações, com um só verbo fazendo as vezes de substantivo “Ordená-lo, dá lucro; ordenado, prejuízo.” Sacou bem, referindo-se ao “caos.”

Saramago disse que “As insolências reacionárias da Igreja católica, precisam ser combatidas com a insolência da inteligência viva...” Pedro, com seu Joseph, diz que “cada um cuida de si que Deus num tá nem aí, ele quer é luxar, andar de papa-móvel, abraçar criancinha limpa e cheirosa...” Tem a língua solta o autor, constata Marcelino Freire; porque “...a lei do mercado, sabe como é, tritura cada pessoa, justo quando embarca naquilo que se chama faixa etária produtiva...” Contudo, mencionar o “bruxo Oswald” para focar a rotina da sociedade de classes é recurso supérfluo, retórico.

O humor corre solto, sem avisos, nos diálogos, visto que “tá todo mundo em pé, tomando cerveja, exceto os que já tombaram pela causa dela...” Vale a pena reproduzir a troca de impressões abaixo:
- Ô rapaz, mas é assim mesmo, Deus dá e tira, né?
- Pois é! Mas bem que podia avisar com antecedência, né?!

Mais outra:
- Nada, mina, tô é torado na venta por teu cheiro, teu perfil, figurino, cabeça, tronco e membros, tua cuca, ideias e sonhos; vamos sonhar juntos?
- Ih! Carrapato!

Faz humor e não relaxa a prosa poética, a “dosagem de lirismo e sarcasmo”; Assim, com “vinho não se brinca e com água não se brinda!” Joseph Língua confessa-se “autor estreante no gênero ficção, melhor dito, fricção.” Nenhuma estranheza, porquanto explica: “...fricciono personagens e seus desmantelos, mazelas e gozos.” Talvez o excesso de agilidade no texto tenha dado margem a grafar “impostada”. Nada grave... Mostra, por outra, retórica ecumênica ao juntar num parágrafo de oito linhas nomes como “Krishna! Krishova! Kristevna! Kristeva” Kristina! Kristiana! Krista! Kris!! Quanta Krise! Caio fora, sonhando a ironia de um mundo em que Mohamed, Maomé ou Mahoma e Xangô possam estreitar laços com o Cristo Redentor, embalado nos braços de Krishna, enquanto Lampião, Mahatma Gandhi e Che Guevara, na Caverna do Zaratustra, acendem o charo, que iluminará a paz entre as nações.” Aqui o autor, sem outro recurso, quis encher a linguiça da narrativa.

Os capítulos não guardam relação orgânica entre um e outro, sobrevivem autônomos. O capítulo 12 – Cheguei tarde da noite - tirado do livro, sobrevive como gênero conto. O perfil de Jomard Muniz de Brito está bem resumido, quando o próprio pergunta: “Quem disse que todo político é igual?” E arremata: “Há muitos bem piores!” O dito também poderia ser atribuído a Millôr Fernandes.

No mais, a cena literária do Recife está mais rica.

* Jornalista e escritor. Trabalhou no Jornal do Commércio e Diário de Pernambuco, ambos de Recife. Escreveu contos para o sítio espanhol La Insignia. Em 2006, foi ganhador do concurso nacional de contos “Osman Lins”. Em 2008, obteve Menção Honrosa em concurso do Conselho Municipal de Política Cultural do Recife. A convite, integra as coletâneas “Panorâmica do Conto em Pernambuco” e “Contos de Natal”. Tem dois livros de contos e um romance.

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