Somos visionários
Nós,
escritores, sem exceção, somos todos visionários. Mesmo que
digamos o contrário, acreditamos num mundo melhor, em que a justiça
social, a solidariedade e o amor imperem em todas as ocasiões. Mesmo
os que aparentam ser rigorosamente céticos, que se mostrem
empedernidos pessimistas, na verdade não o são. Se fossem, sequer
escreveriam e nem publicariam livros. Para que, se tudo vai acabar?
Para que, se num futuro não haverá quem os leia? O simples ato de
escrever (e de publicar) é, pois, manifestação explícita, posto
que inconsciente, de esperança.
Fôssemos
mesmo os realistas que tanto nos preocupamos em apregoar, não
faríamos nada que não fosse determinado, única e exclusivamente,
por nosso instinto de sobrevivência. Seríamos tomados por uma
irremovível catatonia e não moveríamos uma única palha para
ajudar a quem quer que fosse. Viveríamos na base do “cada qual por
si”. Aliás, a humanidade, em certa medida, age assim, mas,
felizmente, há exceções e nós, escritores, estamos entre estas.
Raciocinem
comigo. O Planeta se decompõe a olhos vistos, sob os narizes de
todos (e claro, dos nossos) e tudo indica que nos encaminhamos para
uma catástrofe de proporções imprevisíveis (e, talvez,
definitiva). E o que fazemos face à realidade (isto sim é real)?
Arranjamos argumentos e mais argumentos para tentar mostrar que as
coisas não são bem assim, que os alertas dos especialistas sobre as
mudanças climáticas não passam de alarmismo, de um histérico
surto de catastrofismo e projetamos sociedades ideais para o futuro,
que, a rigor, nem sabemos se teremos (tanto um futuro, quanto uma
sociedade).
E
por que agimos dessa maneira? Por alienação? Por
irresponsabilidade? Por que o instinto tânico, o de destruição,
sobrepuja o erótico, o de conservação da espécie? Não, não e
não. Porque no fundo das nossas almas, bem no âmago do nosso
cérebro, a chama da esperança arde viva e incólume, sem o mínimo
risco de se apagar.
Visualizamos
uma sociedade ideal, em que não haja triliardários e nem
miseráveis. Inconscientemente, somos arautos de um mundo sem
opressores e nem oprimidos cuja lei maior seja a irrestrita
solidariedade e cuja “Constituição” se restrinja ao amor. Claro
que isso não irá acontecer. Muitas vezes, até explicitamos isso em
nossos textos. Mas acreditamos nisso? Não, não e não. Se
acreditássemos, deixaríamos de escrever e de publicar nossos
livros.
Bem
que poderia se aplicar a nós a caracterização que o saudoso
presidente eleito brasileiro Tancredo Neves (que sequer chegou a
tomar posse) atribuiu, um dia, a Tiradentes, ao afirmar que se
tratava de um herói “enlouquecido de esperança”. É assim que
nós estamos. Ou seja, “enlouquecidos de esperança”.
Faço
essa afirmação sem nenhum receio de ser contestado ou de cair em
ridículo. Baseio-me em intensa leitura, principalmente de livros
aparentemente de um mortal pessimismo que, analisados a fundo,
mostram, nas entrelinhas, que o autor não acredita de fato nas
previsões catastróficas que faz. O próprio fato de escrevê-los
desmente suas palavras, amargas e desiludidas.
Como
aceitar que meia dúzia de privilegiados, iguaizinhos a nós em tudo,
tão mortais quanto nós, tenham fortunas incalculáveis e absurdas,
equivalentes à de países inteiros, enquanto há tantos miseráveis
mundo afora, que não possuem sequer os miseráveis andrajos que
vestem, sobrevivendo ao deus-dará em abarrotados acampamentos de
refugiados (e, muitas vezes, nem isso), à mercê da caridade alheia?
Por
que isso acontece? Por que consideramos que essa situação seja
“normal”, já que não movemos uma única palha para alterá-la?
E pensar que o triliardário irá morrer, da mesma forma que o
miserável, que seu corpo irá se decompor igualzinho ao dele e que o
cheiro de podridão daí resultante não será o de rosas, mas de
carne em decomposição, acre e nauseabundo. E, ainda assim, temos
esperanças.
Somos,
como me autodefini em uma crônica recente, “contraditórios e
múltiplos”. Não temos o menor motivo para esperar um mundo ideal,
vemos isso, estamos conscientes disso, a realidade, a todo o momento,
nos esfrega isso no nariz, mas, no entanto... Esperamos.
Batalhamos,
mesmo que inconscientemente, por essa sociedade ideal. Estamos, na
verdade, “enlouquecidos de esperança” e nossas manifestações
de pessimismo são, no fundo no fundo, meras manifestações de
impaciência face à demora da concretização do que idealizamos.
Somos ou não somos, pois, rematados e incorrigíveis visionários?!
Boa
leitura!
O
Editor.
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