Espelho da alma
A
arte é a mais útil das inutilidades. Por que esse espanto, caro
leitor? Pensem em termos rigorosamente pragmáticos. Ninguém a come,
ou a veste ou se abriga debaixo dela. É, pois, rigorosamente
prescindível para a sobrevivência, pelo menos a material.
Vocês
conhecem algum animal (que não seja o homem, claro) que faça,
consuma e sobreviva de arte? Eu não conheço! Caso exista, será um
fenômeno, digno não só de registro, mas até de estudo. Claro que
até em termos pragmáticos, essa manifestação de inteligência,
bom gosto e sensibilidade adquiriu valor econômico.
Raciocinemos.
O que entendemos por “civilização”, tem como fulcro um conjunto
interminável de símbolos, de convenções tácitas, compreensíveis
por todos integrantes de determinado grupo. Estão, neste caso,
palavras, alfabetos, números, valores, conceitos abstratos
etc.etc.etc. E entre eles, está, também, claro, a arte.
É
nesse contexto que, com o tempo, ela adquiriu, também, importância
econômica. A economia, convenhamos, é, rigorosamente, simbólica. O
dinheiro, por exemplo, é o modo prático de quantificar certa
parcela de trabalho e de mercadorias. O conceito do que é
“econômico” baseia-se na escassez. Só o escasso tem valor, por
esse critério.
O
que existe com fartura na natureza e que é acessível a todos não é
bem cotado ou sequer tem alguma cotação. Em resumo, economia, até
por convenção, pode ser definida como a “administração da
escassez”.
Determinados
quadros, pintados pelos grandes mestres, constituem-se, por exemplo,
há já bom tempo, em excelentes investimentos. Têm mercado. Seus
proprietários, mesmo que não os apreciem artisticamente (que não
entendam e nem gostem sequer um pouquinho de arte), podem
transformá-los em moeda sonante à hora que desejarem. E com lucros
fenomenais em relação ao que investiram, de acordo com a cotação
do momento. Dependem, contudo, da “procura” que esses quadros
tenham.
E
por que eles têm tamanho valor? Por se tratarem de obra única. Você
não terá dois, cinco, dez ou mais “Os girassóis”, de Vincent
Van Gogh. Se houver um segundo, certamente será uma falsificação.
A
procura por essa pintura, certamente, é esmagadoramente maior do que
a oferta, caso contrário, ela não valeria nada. Esta, no caso, é
apenas uma, e única. Daí ser tão valiosa. Essas obras de arte, por
essa razão citada, tornaram-se de mais valor do que outros tantos
símbolos de riqueza, como ouro, ações e determinadas moedas bem
cotadas. Mas intrinsecamente... Ninguém come arte, nem a veste e nem
se abriga debaixo dela.
Notem
que abordei a questão apenas no aspecto rigorosamente pragmático,
não anímico. Citei como exemplo a pintura, como poderia ter citado
a escultura, a música, a poesia e os outros gêneros de literatura.
Guardadas as devidas proporções, as coisas funcionam da mesma
forma. Ou seja, baseadas no fato das obras serem únicas, portanto,
escassas, e na inflexível lei natural de mercado, a da oferta e da
procura.
Porém...
Vocês já imaginaram um mundo sem artes? Imaginaram ligar o rádio,
por exemplo, e não ouvir uma única música, por não existir essa
manifestação artística? Imaginaram a não existência de
compositores, cantores, instrumentistas, shows, dança etc.? Ou um
mundo sem os quadros de um da Vinci, de um Rembrandt, de um Rafael,
de um Ticiano etc.etc.etc.? Ou das esculturas de um Michelangelo ou
de um Rodin? Enfim, como seria um mundo sem artes? Certamente seria
feio, chato, monótono e muito pior do que ele é (e, convenhamos, já
não é nenhuma maravilha).
Do
ponto de vista pragmático, o espelho é um objeto prescindível. Que
diferença faz você ver ou deixar de ver a sua imagem? Ademais, você
poderia vê-la refletida nas águas de algum riacho, córrego ou
lago. No entanto, creio não haver uma única pessoa no mundo que não
disponha desse objeto.
O
mesmo ocorre com a arte. Embora não sendo, no aspecto pragmático,
imprescindível, ou sequer necessária, não há quem não aprecie
alguma manifestação artística, não importa qual, o que ocorre até
com pessoas de péssimo gosto estético, ou absolutamente broncas,
mais estúpidas do que um chimpanzé razoavelmente treinado.
Os
espelhos, embora prescindíveis, servem para o homem satisfazer a sua
vaidade. Ou seja, são usados “para ver o rosto”, como destaca o
dramaturgo irlandês George Bernard Shaw. Se não o visse, certamente
não iria morrer. A arte, por seu turno, ainda de acordo com esse
célebre escritor, tem função mais nobre, posto que mais subjetiva.
Serve “para ver a alma”. É ou não é, pois, a mais útil das
inutilidades?
Boa
leitura!
O
Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Utilíssima. Pobres, paupérrimos de nós, sem ela.
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