sábado, 2 de dezembro de 2017

Duplicidade


* Por Flora Figueiredo


Eu te pressinto
correndo a meu lado
e te admito.
Gosto do teu sorriso sem conflito,
tua trança
que balança frouxa contra o vento.
Acostumei-me a te levar comigo
pelos meus sucessos
e nos contratempos.
Eu me desculpo pelos meus excessos.
Há espaço pra nós duas,
suficiente
para poder te manter irreverente,
apoiada
na minha metade equilibrada.
Assim me encosto
na textura sem rugas de teu rosto.
Se houver um quase nada
de divergência,
é melhor prevalecer a tua inconsequência,
que é nosso lado mais sadio.
Se por acaso houver um desafio,
há de vencer-me a ingenuidade
que evaporou no tempo,
que decorou nos tons da meia-idade
Mas, quando um dia confrotarmos
nossas diferenças,
quero que se sobreponha
por sobre minha face mais tristonha
a tua liberdade mais traquina.
Eu te dou a mão num gesto de ternura,
porque te quero sábia,
porque me quero pura.
Meio mulher madura,
meio menina. 

In Calçada de Verão, 1989


* Poetisa, cronista, compositora e tradutora, autora de “O trem que traz a noite”, “Chão de vento”, “Calçada de verão”, “Limão Rosa”, “Amor a céu aberto” e “Florescência”; rima, ritmo e bom-humor são características da sua poesia. Deixa evidente sua intimidade com o mundo, abraçando o cotidiano com vitalidade e graça - às vezes romântica, às vezes irreverente e turbulenta. Sempre dentro de uma linguagem concisa e simples, plena de sutileza verbal, seus poemas são como um mergulho profundo nas águas da vida. 



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