Aquela
fotografia
* Por
Mara Narciso
Em
2014 coloquei no Facebook um retrato do meu casamento, e agora,
coincidentemente quando a imagem completa 40 anos, ela volta. Os
números redondos costumam ter maior peso do que os números
quebrados, e acabei por mergulhar naquele dia longínquo, no qual eu
tinha 22 anos, era virgem como orientava a família, e estava me
casando. Meu noivo, Flávio Rocha Silveira, de 28 anos, natural
de Fortaleza, Ceará, era engenheiro civil formado em 1974. Eu, Mara
Yanmar Narciso da Cruz, nascida em Montes Claros, Minas Gerais, tinha
concluído o quarto ano de Medicina. Milena, a minha mãe, era médica
há três anos, uma das quatro profissionais femininas da região,
começava uma promissora carreira e queria me proporcionar um bom
casamento.
Milena
enviou-me a Belo Horizonte com a minha Tia Dida – Maria Inez
Narciso, para comprarmos meu enxoval pessoal e desenharmos o vestido
de noiva na Casa da Sogra. Rebelde que segue todas as regras - como
me classificou a minha prima Simone Narciso Lessa –, eu não quis
véu, grinalda e nem brilho. Espartana, escolhi um modelo em voil de
algodão, com mangas compridas e decote quadrado, enfeitado com
nervuras e rendas francesas. Na cabeça, um pequeno arranjo de
flores, assim como um delicado buquê nas mãos. Quem fez o vestido
foi Natália Peixoto, referência para noivas na época.
Naquele
tempo casar era simples. Em poucos meses, tudo estava resolvido.
Enfiada nos livros, não tive vontade de fazer o enxoval da casa,
então, Milena o comprou. Quando ela descobriu que eu tinha escolhido
uma quinta-feira para me casar, não gostou da excentricidade, mas
mantivemos a data e o casamento aconteceu no dia 15 de dezembro de
1977. O convite foi um cartãozinho branco tamanho postal, com
dizeres padrão, que não satisfizeram a minha mãe. Eu não queria
aparecer, e sim me ocultar, já definindo meu estilo reservada e
contida. Estava amando demais, totalmente querendo me casar com
Flávio. Alugamos um apartamento de dois quartos, no Bairro São
José, ao lado do Campo do Ateneu, em primeira locação, e compramos
móveis simples, em ações leves e despreocupadas.
Então,
chegou a hora de me casar. Quem me arrumou foi Tia Dida. A Catedral
de Nossa Senhora Aparecida fora ornamentada pelo meu Tio Zé - José
Geraldo Mendonça, com flores naturais trazidas de Barbacena.
Eram exatamente 19 horas quando cheguei à igreja num carro comum,
que nem me lembro qual era. Minhas primas Simone e Marília, e minha
irmã Carla foram nossas damas de honra. Elas tinham 14 anos. Meu
pai, Alcides Alves da Cruz, que era muito distante da gente, entrou
comigo. O casamento dele com minha mãe foi um fracasso. De braços
dados, eu, olhando o noivo e o padre no altar, falei para pai: o
circo está montado, podemos entrar.
O
que transformou o nosso momento foi a voz de Magnus Medeiros. A
igreja também ajudou muito. A emoção foi tão intensa e os
sentimentos tão contraditórios que custo a me lembrar com exatidão.
Misturam-se imagens, sons e cheiros em mim.
Do
ponto de vista prático, as recepções costumavam ser feitas em
casa, e Milena ofereceu um jantar para a família. Havia a crise do
petróleo, e os postos de gasolina se fechavam às 18 horas e nos
fins de semana. Mesmo assim viajamos de carro, quase um mês pelo
nordeste, até Natal - RN.
Tínhamos
decidido fazer apenas umas poucas fotos em preto e branco. Após o
ritual, lá estávamos nós, casados, saindo da igreja. O Foto
Facella nos capturou nesse instante de contentamento, um casal jovem,
leve e feliz por ter dado aquele passo. Eu tinha encontrado uma
pessoa que me amava e que eu amava. A minha alegria superava a
timidez, que nele, parecia maior no retrato. Incompreensível, pois
se largou sozinho de Natal, vindo morar em Montes Claros. Era
popular, jogava voleibol, tocava um violão gostoso, especialmente a
Bossa Nova, cantava bem, era gerente do setor de águas, e foi o
homem mais interessante que já conheci, até hoje.
No
Facebook, recebi elogios pela singeleza do vestido, pela jovialidade
e por ela, uma suposta beleza. E disseram que Flávio não era
bonito. Mas era. Tinha um belo corpo de atleta amador. Em 29 anos
juntos, realizamos muitos feitos, tivemos um filho, Fernando, fomos
irremediavelmente felizes. Assombrosamente, o nosso casamento teve um
fim há onze anos. Ficaram muito mais coisas do que as fotografias.
Para uma agradável memória afetiva.
*
Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia
Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de
Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”
História bonita, Mara. Você não deixou claro que fim exatamente ela teve, mas espero que os bons momentos tenham superado as eventuais amarguras. Abraços.
ResponderExcluirO casamento acabou há onze anos. Ficaram excelentes lembranças.
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