O desejo de ser sincero é superficial
* Por
Alberto Morávia
O desejo de ser
sincero é superficial. Não é por acaso que muitos dos romances entre os últimos
aparecidos são escritos na primeira pessoa, de modo a que o eu repetido e
disseminado ao longo das páginas produza uma sensação de algo muito próximo a
uma lembrança, a uma confissão, a um diário. Não é também por acaso que neles
se evita com muito cuidado o enredo ou de certa forma tudo o que possa parecer
invenção; e que se narre os fatos com garra jornalística, como coisa que
realmente tivesse acontecido. A sinceridade, no seu estrito sentido, não
suporta a narração objetiva que é um princípio de artifício nem a invenção que
em todas as ocasiões pode parecer falsa.
A sinceridade
parece-se muito com o mar em certos dias. Há manhãs de tanta bonança que se
andamos de barco e nos inclinamos para contemplar a água debaixo de nós, tem-se
a impressão de que estamos suspensos sobre transparentes e tangíveis
precipícios. A água, por muito profunda que seja, não se opõe a que se olhe a
prumo para baixo e se veja, numa claridade esverdeada, o fundo arenoso
espargido de seixos e de trigueiras céspedes. Nasce então uma espécie de
exaltação, deseja-se tocar aquele fundo que parece estar muito perto de nós. No
entanto quando se mergulha, mesmo com todo o peso do nosso corpo e toda a força
da nossa impulsão só conseguimos penetrar na água um par de metros. Nem sequer
afloramos aquela encantada e longínqua profundidade.
in "O Homem Como Fim".
*
Pseudônimo de Alberto Pincherle, escritor e jornalista italiano.
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