terça-feira, 15 de novembro de 2016

Entre Jogos de Amor em Las Vegas e Machado de Assis


* Por Evelyne Furtado


Estou em mudança. Assim mesmo: um pé cá outro lá. Embalando objetos no atual endereço e providenciando os últimos acertos no novo apartamento.

A mudança está entre os primeiros fatores de estresse, atrás apenas do divórcio e da morte do cônjuge. Passei pelo primeiro e sobrevivi, graças a Deus.

É certo que não estou só nessa empreitada. Sylvinha, minha filha quase arquiteta cuida do projeto e da execução. Mamãe chefia tudo e está bem cansada.

Elas trabalham bem mais do que eu, pois fico no meio: ansiosa e meio surtada, como o tal o "cachorro em mudança". Assim somos três mulheres á beira de um ataque de nervos, à moda de Almodóvar.

Para relaxar cinema é uma boa opççao. Após duas tentativas frustradas, consegui assistir Jogos de Amor em Las Vegas. Queria rir. Queria uma comédia romântica. Queria esquecer das caixas cheias e das que ainda tenho que encher.

Comecei a dar risadas nos primeiros minutos do filme. Confesso que senti uma inveja danada dos vestidos lindos no corpo de Cameron Diaz, mas o personagem é uma graça e ela não tem culpa da minha gula.

A Vegas que vi no filme é deslumbrante em luzes, farras e alegrias. Ashton Kutcher, o protagonista, encheu meus olhos. Como é bonitinho, o marido de Demi More, gente!

O roteiro feito para divertir cumpriu seu papel e eu cheguei em casa ás 23 horas muito zen e certa que iria dormir mais cedo.

Mal estacionei na garagem o porteiro da noite me diz que uma pessoa muito querida de nossa família e moradora do mesmo edifício havia sofrido um acidente em casa e estava no hospital vizinho.

Fui correndo saber como estava Rosinha: um anjo sem idade definida, com jeitinho de passarinho e de uma fragilidade visível. Fiquei lá apreensiva e só adormeci depois das duas da madrugada. Para nosso alívio Rosinha se recupera.

Acordei sem intenet. Senti aquela sensação de desespero que todo dependente sente quando lhe falta o vício. Liguei e briguei com o atendente do provedor.

Impotente, saí para resolver algumas coisas. Almocei com um amigo. Fiz alguns pagamentos e vim para casa. Hoje não tinha nada urgente para fazer á tarde e eu estava sem NET.

Meus livros já estão encaixotados. Na mesa de cabeceira um livrinho com trechos da obra de Shakespeare, outro sobre I Ching, o Novo Testamento, um Saramago recentemente lido e Contos de Machado de Assis.

Descobri que não havia lido "O Homem Célebre" de Machado. Foi, como sempre, uma experiência mágica ler sobre o Pestana, compositor de polcas de sucesso que aspirava ser um Beethoven, um Chopin ou um Mozart. Viveu e morreu triste por não conseguir ser mais do que Pestana e sofreu em vão.

Ao terminar o conto, liguei mais uma vez para "o suporte técnico". A moça disse-me para verificar os cabos de todos os pontos da TV, uma vez que é a mesma empresa que fornece a tv por assinatura e a banda larga.

Saí feito cega em troteio mexendo em cada cabo dos pontos da TV e discutindo com a moça no celular. Encerrei a ligação e vim desligar o micro conformada com a situação.

Verifiquei surpresa que a net havia voltado e recomecei a compulsão de escrever.

17 de julho de 2007.


* Poetisa e cronista de Natal/RN.

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