segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Poema número 6

* Por Marco Vasques


“Caiu-me o olhar para a límpida fonte;
Que logo desviei, colhendo a ver a
Imagem da vergonha em minha fronte.”
(Dante in Purgatório, canto XXX)


o metal na veia orquestra os órgãos
e desenhos no monturo se acumulam
coração pulmão fígado e voz entram
espontâneos na faca que expia a artéria

e bate no peito um esquife dobrando
a esquina acompanhado pela multidão
com lágrimas de pedra e ranger de
madeiras nas pernas de mortos vindouros

um copo de ácido na saliva
não corrói o aço da faca na garganta
e nem impede o corte vertical
da lâmina que divide a língua

e faz surgir do homem um copo
de vinho dividido em leucócitos e
eritrócitos que escorrem nos dias e nas noites

do outro lado da cidade
encontro outros órgãos longe
da orquestração cotidiana
porém próximos dos risos dos revólveres

e na absoluta solidão
grita a filantropia de um coração andarilho
no desejo de construir uma orquestra sinfônica
em que as facas não sangrem o violino
e a cadeira de rodas posta à frente do piano
não emane a mesma e única música
que ecoa na calmaria dos lagos
onde dormem afogados
meninos com suas canções de ninar
jovens guitarras elétricas homens
mulheres anjos demônios mísseis
moedas cédulas prédios carros
placas de advertência e a desconexão
completa dos dedos sujos de pólvora

no aborto dos órgãos só varia
a estupidez humana em aperfeiçoar
os acordes da vida
quando se está condenado a
tocar sempre a mesma nota

(Marco Vasques in Elegias Urbanas, Bem-te-vi, RJ, 2005)

* Poeta e bacharel em Filosofia


Nenhum comentário:

Postar um comentário