segunda-feira, 14 de novembro de 2016

Progresso e meio ambiente


* Por Adalton Oliveira


Para o físico brasileiro Rogério C. Cerqueira Leite[1], se a Terra fosse a uma consulta médica, o diagnóstico seria de que ela está com um parasita, o Homo Sapiens. Há parasitas que se aproveitam do hospedeiro sem matá-lo, mas há os que o exploram até a extinção. Resta-nos saber a que classe de hospedeiros pertencemos.

A ação destrutiva do homem sobre a Natureza vem de tempos remotos, desde que começou a desmatar e a irrigar o solo para o cultivo agrícola. Há evidências de que as concentrações de CO2 começaram a subir há cerca de 8 mil anos atrás – 3 mil anos depois do aparecimento da agricultura - e foram praticamente constantes até o início da revolução industrial, de fins do século XVIII. É provável que o impacto da agricultura sobre o clima da Terra tenha sido compensado pelos próprios ciclos orbitais do planeta que estavam causando uma tendência paralela de resfriamento. Dessa forma, uma atividade humana, a agricultura, teria evitado o início de um novo ciclo de glaciação.

Contudo, as novas formas de organização da sociedade – com base no consumo massificado e no intenso uso de energia derivada de combustíveis fósseis –, estão impactando o clima do planeta de maneira inédita. Desde o advento da Revolução Industrial, a temperatura no planeta à superfície cresceu entre 0,6ºC e 0,7ºC em média e as previsões são de que a temperatura média da Terra suba entre 1,5ºC a 4,5ºC nos próximos 100 anos, valor suficiente para elevar o nível dos oceanos de forma considerável. Esta elevação de temperatura poderá ser – por exemplo – suficiente para derreter a capa de gelo que recobre as terras da Groenlândia, elevando o nível dos oceanos em 5 metros, o que seria catastrófico para aquelas populações que vivem em áreas litorâneas, obrigando milhões de pessoas a procurarem novos lugares para viver, o que provocaria profundos impactos sobre todas a regiões do planeta. Os efeitos dessa elevação de temperatura sobre a agricultura seriam terríveis, com crescente redução das áreas agriculturáveis, pois regiões hoje férteis se transformariam em desertos. Quanto aos efeitos sobre a biodiversidade do planeta, teríamos uma extinção em massa sem precedentes na história.

A ideia de progresso desde sempre dominou a mente humana. Podemos entender como progresso a mudanças feitas no presente e que conduzem a uma situação melhor do que aquela que se vivenciou no passado. Chamou-se de obscurantista aos que se opunham às mudanças trazidas por um pretenso progresso e, assim, poucas vezes os resultados desse progresso foram discutidos. Questões éticas foram postas em segundo plano ou negligenciadas, dando lugar às vantagens econômicas e de poder que o progresso traria. Os estudos sobre o átomo levaram à bomba atômica – vista como um grande avanço na área militar – mas, antes de Hiroshima e Nagasaki, não se discutiu se seria ética sua utilização.

O mundo idílico prometido pelo progresso nunca se realizou, o que vimos foi o aumento da degradação ambiental, paralelo ao crescimento da pobreza, ao advento de guerras, ao surgimento de doenças trazidas pela modernidade, como a depressão e a ansiedade. Obviamente, não se está aqui a se opor ao progresso, estamos tratando da ausência de questionamentos sobre as conseqüências deste ou daquele avanço sobre a devastação de largas áreas do planeta e a destruição de inúmeros habitats.

Em sua arrogância, o homem se propôs a conquistar a Natureza e a usá-la em seu proveito próprio, sem preocupações com os danos a ela causados. Portamo-nos como se estivéssemos imunes aos efeitos nocivos provocados ao planeta, como se nós mesmos não fizéssemos parte do delicado equilíbrio do globo. Antecipando as preocupações ecológicas do final do século XX, o grande filósofo Walter Benjamin dizia sonhar com um novo pacto entre os humanos e seu meio-ambiente, opondo-se à ideologia “progressista” de um certo socialismo “científico” e de um ideal utilitarista que reduziu a natureza a uma matéria-prima da indústria, a uma mercadoria “gratuita”, a um objeto de dominação e de exploração ilimitada.

Para a Economia, mais propriamente para as correntes do pensamento neoclássico, somos maximadores de utilidade, criaturas hedonistas insaciáveis. Dessa forma, o progresso está ligado à ideia de produção de mercadorias e serviços ad infinitum. Não se questiona se tal produção destrói a base sobre a qual se sustenta, ou seja, o esgotamento dos recursos gratuitos oferecidos pela Natureza não é levado em consideração. Para a Economia neoclássica, se a quantidade obtida de peixe numa certa área se reduziu em função da atividade pesqueira intensiva, a solução é pôr ali mais barcos pesqueiros. Um contrassenso!

Mesmo a ideia de crescimento sustentável parece vaga. Não se define exatamente o que deve crescer de maneira sustentável. Seria o produto interno bruto (PIB), a riqueza ou o nível de satisfação da sociedade? Não se sabe. A melhor definição de crescimento sustentável que conheço é aquela formulada pelos economistas ecológicos, que diz: “desenvolvimento sustentável é aquele que supre as necessidades do presente sem comprometer a capacidade das gerações futuras de atender suas próprias necessidades”. Como fazê-lo? Eis o grande desafio atual da humanidade. Mas, como dizia Karl Marx, a humanidade não se propõe problemas que ela não possa resolver. Esperemos que ele esteja certo.
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[1] LEITE, Rogério C. Cerqueira. “Energia renovável: sonho ou realidade?” em A Terra na Estufa, Scientific American, edição especial nº 12, setembro de 2005.


·         Jornalista

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