domingo, 9 de outubro de 2016

YouTube e o desejo de estar na TV


* Por Rosana Hermann



O sucesso do YouTube é sua própria proposta. “Broadcast yourself”, diz a assinatura, que pode ser traduzida livremente como “emita-se” ou “veicule-se”. Na verdade, o termo contém três raízes para o incrível boom do site, o broad, o cast e o yourself.

O cast, o mesmo do podcast, é o conceito de lançar, exatamente como no caso do lançamento de uma notícia ou novidade. O broad refere-se ao alcance deste lançamento, largo, o mesmo da banda larga, a broadband. E a chave de tudo, claro, o self, ou melhor, yourself, que completa a tradução perfeita do sonho da robertice do nosso século: projetar o ego mundialmente. Lançar-se no mar da fama. Arremessar a imagem até o outro lado do mundo.

Os famosos minutos do Andy além de datados são insuficientes. Não bastam quinze minutos e o alcance tem que ser global, planetário mesmo. Nestes tempos egocêntricos e megalomaníacos cada ego quer ser tão grande quanto o planeta Terra, quer ser um monstro da fama, um godzilla do sucesso. Isso, pelo lado patológico e doente. Mas há muitos outros e, para isso, podemos dividir os vídeos do YouTube em três categorias: EU, que são os vídeos que mostram a própria pessoa que os divulga, MEU, que são os vídeos de autoria da pessoa, com ou sem ela na tela e PRA MIM, que são todos os vídeos que são importantes ou relevantes para mim, embora não contenham minha imagem nem tenham sido produções feitas por mim. Cada pessoa tem, mesmo sem saber, uma coleção de links, sites, fotos, vídeos, com estas categorias. São coisas que projetam a sua pessoa, o seu trabalho e as coisas que interessam.

Não sei se já existem pesquisas em relação aos tipos de vídeos que estão no YouTube aos milhões, mas é bem provável que o arquivos de produtos já prontos seja bem maior que o EU e o MEU, já que a tv e o cinema produzem há muito mais tempo como indústria do que os telespectadores enquanto pessoas. Mas a produção de vídeos caseiros pessoais deve ser a que mais cresce.

Aqui no Brasil, além de tudo o que possa ser dito sobre o YouTube, há uma dimensão a mais, o desejo de estar na TV. Em nenhum outro lugar do mundo a televisão é tão relevante e endeusada como aqui, a ponto de ser praticamente um Olimpo com seu elenco de deuses e semideuses. As pessoas que sempre quiseram fazer sucesso na tv, tão fechada, agora podem fazer sucesso no YouTube. A projeção da imagem é mágica. Ela multiplica o seu self por milhões. Se for na tv, ao vivo, melhor, porque a projeção é instantânea e simultânea. Mas se for on demand , como no YouTube, tudo bem também, porque ela tem outras vantagens a de estar disponível a qualquer momento em qualquer lugar do mundo e a de ser permanente.

E por que todo mundo, ou melhor, tanta gente quer se famoso, quer projetar-se, quer ser conhecido e reconhecido em todo mundo? Porque morremos. É porque somos mortais, porque a vida tem fim, que queremos ser semideuses ou deuses do Olimpo da mídia. É uma esperança para a vida. A de alcançar a imortalidade. Roberto Marinho, veja você, quase conseguiu. Dercy Gonçalves, suspeitamos, talvez tenha chegado lá. Ainda não há casos registrados, mas digamos, se todos vamos morrer um dia, por que não aproveitar ao máximo a vida que temos? E quer coisa melhor pra aproveitar a vida do que a fama? Portas que se abrem por mãos com luvas brancas, as melhores mesas, tudo de graça, o respeito, os aplausos. É isso. Já que a vida termina, pelo menos, enquanto estamos nela, queremos ser aplaudidos, amados e elogiados. Não garante a eternidade, mas nutre os egos obesos dos mortais do século XXI.

*Rosana Hermann é Mestre em Física Nuclear pela USP de formação, escriba de profissão, humorista por vocação, blogueira por opção e, mediante pagamento, apresentadora de televisão.



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