Emoção e
razão
As pessoas mudam, com o passar dos anos, e não somente na
aparência, com o progressivo envelhecimento, mas em praticamente todos os
aspectos daquilo que são. Gostos, reações e maneiras de encarar o mundo se
alteram, ao sabor das circunstâncias e das experiências que temos. Nem sempre,
todavia, essas mudanças são para melhor. Não raro, significam mais deterioração
do que eventual espécie de evolução.
Estas considerações vêm a propósito de um pedido (por sinal,
bastante estranho), feito por um leitor, através de e-mail. Ele solicitou
(vejam só!) que eu traçasse meu próprio perfil psicológico. Não vejo razão para
isso – afinal, não sou tão importante a ponto de merecer tamanha atenção –, até
porque sou uma soma de vários “Pedros”, que foram se incorporando àquele menino
ingênuo e deslumbrado, que há mais de meio século deixou sua Horizontina natal,
em busca de experiências, conhecimentos e oportunidades.
Para não dizerem, todavia, que estou fugindo da raia, posso
dizer que sou um misto de emoção e razão. “Isso não vale!”, pode reclamar,
irritado, meu insistente interlocutor. “Todas as pessoas são a soma dessas duas
características”, acrescentaria o curioso leitor. De fato. Mas há infinitas
graduações na personalidade de cada pessoa, a ponto de não existirem duas que
sejam rigorosamente iguais. E, reitero, elas variam ao longo do tempo, ao sabor
das experiências e das circunstâncias.
Mudei, e muito, no correr dos anos. Um exemplo (mesmo que
não seja dos mais inteligentes, mas nem por isso menos revelador)? Quando
criança, eu detestava jiló. Minha mãe, quando queria castigar minha
incompreensível (para ela) rebeldia e imensa (conforme garantia) teimosia,
preparava esse “acepipe” (para alguns), para meu supremo desgosto e
indefectível chateação. Com o tempo... nem precisava mais preparar a
“guloseima”. Bastava ameaçar de fazê-lo e conseguia me controlar.
Os anos passaram, meu gosto mudou bastante (não sei se para
pior ou melhor, já que se trata de avaliação bastante subjetiva), adquiri
milhares de quilômetros rodados... Enfim, meus conceitos e preferências, hoje,
são bastante diferentes daqueles saudosos e verdes anos. E o jiló, que tanto
detestei quando menino, é, atualmente, um dos meus pratos preferidos! Como
explicar tamanha mudança? Creio que não haja explicação.
Recebi uma educação racional, diria cartesiana, baseada,
principalmente, na lógica. Fosse me comportar com base na forma como fui
educado, seria um sujeito todo razão (inteligência), que Fernando Pessoa
classifica de “realista”. Ocorre que não sou robô, programado para executar
determinadas tarefas, de uma certa maneira, que não muda jamais.
Com o tempo, e com a predominância dos hormônios sobre os
neurônios, na louca e descomprometida juventude, tornei-me um feixe ambulante
de emoções. Reagia conforme os sentimentos do momento, sem muito raciocínio ou
reflexão. Os anos foram passando e minha personalidade foi sendo moldada
conforme as circunstâncias que tive de encarar. Nem tanto ao céu, nem tanto à
terra. Continuei emotivo, sem dúvida, mas com o necessário tempero do
raciocínio.
A emoção pura, instintiva, é sentimento. É reta, direta,
específica, quente e subjetiva. Engendra as artes, notadamente a poesia. Já a
razão é inteligência, no sentido lato, o da capacidade de entender tudo o que
nos cerca e o que sentimos. É circular, indireta, genérica, fria e objetiva. É
a ferramenta do cientista e dos que elaboram obras materiais, nem sempre
devidamente valorizadas, mas indispensáveis ao padrão de vida dito civilizado.
Qual dos dois é mais importante? Diria, ambos. Tanto a
emoção, quanto a razão, desde que bem dosados, são essenciais a uma pessoa equilibrada
e, portanto, sábia. Provavelmente nem os robôs conseguem ser racionais, e só
racionais, o tempo todo. Bela parábola nesse sentido é a trajetória de Andrew,
personagem vivido por Robin Williams, no filme “O homem bicentenário”
(“Bicentennial man” em inglês), dirigido por Chris Columbus que contou, também,
no elenco, com as interpretações de Sam Neil e Embeth Davidtz.
O enredo foi inspirado em duas histórias do mestre da ficção
científica, Isaac Asimov, fundidas numa só. Ou seja, no livro “The positronic
man” (creio que não tenha sido traduzido para o português”) e no conto “O homem
bicentenário”, que deu título à película.
O robô Andrew, da série NDR-14, foi projetado para servir os
humanos. Todavia, não se sabe por qual motivo, se por defeito ou em decorrência
de evolução, se afeiçoou à família à qual servia. E a afeição evoluiu de tal
maneira, que lhe valeu o certificado que tanto aspirava: o de humano. Ou seja,
conheceu e passou a ter emoções. Com isso, ganhou, até, “o direito de morrer”,
como qualquer outra pessoa, como eu, como você, como Barak Obama, como Donald
Trump, como Shimon Peres...
Embora todos tenhamos (posto que em diferentes graduações,
reitero), tanto emoção, quanto razão, em determinadas pessoas (e em certas
ocasiões), uma predomina sobre a outra. Fernando Pessoa vê, nisso, resultados
diferentes. “Os realistas realizam pequenas coisas, os românticos, grandes. Um
homem deve ser realista para ser gerente de uma fábrica de tachas. Para gerir o
mundo deve ser romântico. É preciso um realista para descobrir a realidade; é
preciso um romântico para criá-la”, afirma o poeta dos heterônimos.
O meu lado racional contribuiu para que eu fosse jornalista.
O emocional, fez de mim um poeta. E não abro mão de nenhuma dessas duas
características. Satisfeita a sua curiosidade a meu respeito, insistente
leitor? Provavelmente não! Mas é o máximo do que sei e posso revelar a meu
respeito...
Boa leitura!
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Aos poucos vai se desnudando, Pedro Bondaczuk. O leitor quer escritores perfeitos. As decepções ao encerarem o real pode ser decepcionante, mas até aqui não tem acontecido.
ResponderExcluir