quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Brasil-Argentina, antes e agora


* Por Emir Sader


Desde que os governos da Argentina e do Brasil se articularam como eixos dos processos de integração latino-americanos, a partir de coincidências fundamentais na luta contra o neoliberalismo, seus presidentes, assim que eleitos, se visitavam mutuamente, como primeira viagem internacional. Eram formas de reafirmar essa aliança, essa amizade, esse carinho que tinham Lula e Nestor Kirchner, Dilma e Cristina.

Foram os melhores anos da relação entre os dois países e aqueles em que mais se avançou no intercâmbio entre eles e nos processos de integração latino-americana. Nos encontros entre os dois presidentes, se conversava sobre as relações estreitas entre os dois países, da situação da América Latina, do lugar do continente no mundo.

Eram encontros com grande participação popular, de comícios públicos, de reuniões com as forças populares dos dois países. Eram países que se aproximavam cada vez mais, que falavam por intermédio dos seus presidentes.

Hoje, no entanto, o que representa o encontro de dois presidentes profundamente antipopulares como Mauricio Macri e Michel Temer? Em que cenário eles vão se encontrar? De que temas vão falar? Como vão se defender da hostilidade das manifestações populares na Argentina?

Será um encontro soturno, de dois presidentes acuados por seu povo. Fugiram de Buenos Aires e das manifestações de hostilidade, vão se encontrar, blindados, em Mar del Plata, mas nem ali escaparão das expressões de rejeição dos argentinos aos dois. Falarão do FMI, ao que os dois submetem de novo os países que governam, do retorno da espiral infernal do endividamento das suas economias, dos níveis recordes de desemprego que ambos produzem, da hostilidade que nutrem pela Venezuela, pela Bolívia, pelo Equador.

Falarão dos meios de comunicação que os protegem, não anunciarão nada de novo, nenhum avanço na relação entre os dois países e na integração da região. No máximo, das renovadas relações com Washington. Nada de defesa conjunta diante da crise econômica internacional ou de avanços integrados, só de ajuste fiscal, em que os dois governos estão.

No habrá nada a anunciar de bueno para sus pueblos. A lo mejor ni hablaran de los ajustes fiscales que los identifican, porque saben que solo contienen noticias malas para los pueblos.

Será uma conversa medíocre entre governantes medíocres, que não têm nada a oferecer a seus países, salvo privatização, endividamento, recessão, desemprego. Relembrará a relação entre FHC e Menem.

Já não será a relação de aproximação e fraternidade entre dois países e dois povos. Nenhum dos dois presidentes atuais pensa a América Latina como um sujeito político, nem a seus países como agentes da integração regional.

Nem de eleição é de bom tom falar, uma vez que Temer chegou a presidente mediante um golpe e o que mais ele teme são as eleições diretas que as mobilizações populares no Brasil reivindicam.

Os dois têm em comum tentativas de reimplantar o modelo neoliberal que fracassou nos anos 1990 nos dois países, produzindo as piores crises na Argentina e no Brasil em muito tempo. Têm em comum representar os interesses que foram deslocados do governo pelo voto democrático do povo dos dois países durante muito tempo. E hoje representam o projeto de restauração conservadora na América Latina.

Não há como não sentir saudade das relações fraternais entre Lula e Nestor, Dilma e Cristina. E as estreitas relações entre Brasil e Argentina como eixos da integração latino-americana.

* Sociólogo e cientista político



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