As
gratas e as más surpresas de Montes Claros
* Por
Mara Narciso
O Auditório Marina
Lorenzo Fernandez do Conservatório Estadual Lorenzo Fernandez ficou pequeno
para o público que se espreme para mergulhar na comemoração dos 15 anos da
orquestra Sinfônica de Montes Claros. Atento, se acomoda e aguarda a
apresentação. Após um breve momento de afinação, tem início a apresentação dos
currículos dos dois maestros visitantes, um casal, Christiane e Juan Ortiz de
Vilate, sendo ela de Campos do Jordão e ele do Peru. A maestrina Maria Lúcia
Avelar que criou, dirige e rege a Sinfônica faz a leitura da carreira de ambos,
enaltecendo-lhes as habilidades e preparando o público para o que virá. Destaca
a importância da música no equilíbrio emocional, convidando para uma total
imersão, deixando tudo de ruim lá fora, em benefício de quem está ali.
O belo maestro
visitante, Juan Fernando Ortiz de Vilate, pediu atenção à harmonia e, falando
com sotaque carregado, hábil com as palavras, e, bem-humorado, faz rir. Refere
ser difícil pensar em Português, como também enaltece a acolhida calorosa dos
montes-clarenses, palavra que ele pede como cola, por duas vezes a um dos
músicos, além de brincar com a palavra “detona”. De fraque, diante de um piano
preto, de cauda, rege com genuína elegância. Olha para um lado e os
instrumentos obedecem, olha para o outro e o mesmo acontece. Então, se senta ao
piano e dá seu show. Ele pediu e a platéia deixou a música entrar pelos ouvidos
e emocionar, pois, segundo o regente, o concerto só faz sentido quando toca o
coração. Acabada a música, acontece uma confusão em cena. Todos se levantam e
se afastam, e o piano vai para o lado esquerdo dos fundos do palco. Juan
anuncia uma música de Wolfgang Amadeus Mozart, quando acontecerá uma
brincadeira de criança com pulinhos dos músicos e de fato isso acontece, e
eles, além de tocar, se levantam em elegantes ondulações. A emoção explodiu na
apresentação do Lago dos Cisnes, e a quarta música encerrou esta parte mágica.
Os atributos citados ficaram aquém da realidade festiva e do prazer visto no
auditório.
A maestrina Renata
Ortiz de Vilate fala da parte prática da vida em consoante equilíbrio com a
música. Mostra a visão de uma mulher apaixonada que divide a vida entre a
música e os filhos (a sua filhinha aparece ao final). Menciona o fato de ter de
estudar, de buscar uma profissão que a sustente, e tudo o mais do mundo real,
sem parar de crescer na música, coisa que conseguiu fazer no preparo deste
concerto. Elogia a qualidade dos músicos ali presentes e da sua experiência nas
oficinas musicais nos quatro dias aqui. Então anuncia a Habanera, música que
faz parte da Ópera Carmen, explicando ser a história de uma mulher sedutora. A
soprano Simone Santana, que faz o solo, esbanja talento. Depois vem a Quinta
Sinfonia de Johann Sebastian Bach (são 21, ensinou), e mais duas músicas, uma
delas com Christiane Franco. Então acaba o concerto. O público aplaude de pé, e
as palmas de bis começam. Maria Lúcia volta ao palco para agradecer, chama os
maestros e as cantoras, havendo homenagens com discursos e flores. A maestrina faz sua apresentação musical
enquanto os maestros convidados tocam baixo, junto aos músicos locais. Cultura
e contentamento, pois todos merecem o enlevo e deslumbramento da contemplação.
O ruim? Muita gente filmando e desconcentrando o público.
Mas os poetas de
Montes Claros foram pela segunda vez expulsos do Mercado Central Christo Raef.
Era sábado e foram impedidos de fazer acontecer o sarau dos 30 anos do Psiu
Poético. Levar poesia aos freqüentadores do mercado seria transgressão da
ordem, segundo quem ordenou o fechamento à arte. Os convidados e seu
organizador Aroldo Pereira, um poeta estóico que leva poesia aos quatro cantos
do município há três décadas foi impedido de falar seus versos dentro daquele
espaço público. Inacreditável retrocesso cultural e de comportamento. A
longevidade desse movimento poético é digna de nota, considerando a não devida
valorização da poesia. Estamos regredindo, voltando ao tempo da repressão e não
se pode aceitar essa volta à idade das trevas. No lugar de versos, vergonha.
Montes Claros não merece essa notoriedade indigna.
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
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