quarta-feira, 12 de outubro de 2016

As gratas e as más surpresas de Montes Claros


* Por Mara Narciso


O Auditório Marina Lorenzo Fernandez do Conservatório Estadual Lorenzo Fernandez ficou pequeno para o público que se espreme para mergulhar na comemoração dos 15 anos da orquestra Sinfônica de Montes Claros. Atento, se acomoda e aguarda a apresentação. Após um breve momento de afinação, tem início a apresentação dos currículos dos dois maestros visitantes, um casal, Christiane e Juan Ortiz de Vilate, sendo ela de Campos do Jordão e ele do Peru. A maestrina Maria Lúcia Avelar que criou, dirige e rege a Sinfônica faz a leitura da carreira de ambos, enaltecendo-lhes as habilidades e preparando o público para o que virá. Destaca a importância da música no equilíbrio emocional, convidando para uma total imersão, deixando tudo de ruim lá fora, em benefício de quem está ali.

O belo maestro visitante, Juan Fernando Ortiz de Vilate, pediu atenção à harmonia e, falando com sotaque carregado, hábil com as palavras, e, bem-humorado, faz rir. Refere ser difícil pensar em Português, como também enaltece a acolhida calorosa dos montes-clarenses, palavra que ele pede como cola, por duas vezes a um dos músicos, além de brincar com a palavra “detona”. De fraque, diante de um piano preto, de cauda, rege com genuína elegância. Olha para um lado e os instrumentos obedecem, olha para o outro e o mesmo acontece. Então, se senta ao piano e dá seu show. Ele pediu e a platéia deixou a música entrar pelos ouvidos e emocionar, pois, segundo o regente, o concerto só faz sentido quando toca o coração. Acabada a música, acontece uma confusão em cena. Todos se levantam e se afastam, e o piano vai para o lado esquerdo dos fundos do palco. Juan anuncia uma música de Wolfgang Amadeus Mozart, quando acontecerá uma brincadeira de criança com pulinhos dos músicos e de fato isso acontece, e eles, além de tocar, se levantam em elegantes ondulações. A emoção explodiu na apresentação do Lago dos Cisnes, e a quarta música encerrou esta parte mágica. Os atributos citados ficaram aquém da realidade festiva e do prazer visto no auditório.

A maestrina Renata Ortiz de Vilate fala da parte prática da vida em consoante equilíbrio com a música. Mostra a visão de uma mulher apaixonada que divide a vida entre a música e os filhos (a sua filhinha aparece ao final). Menciona o fato de ter de estudar, de buscar uma profissão que a sustente, e tudo o mais do mundo real, sem parar de crescer na música, coisa que conseguiu fazer no preparo deste concerto. Elogia a qualidade dos músicos ali presentes e da sua experiência nas oficinas musicais nos quatro dias aqui. Então anuncia a Habanera, música que faz parte da Ópera Carmen, explicando ser a história de uma mulher sedutora. A soprano Simone Santana, que faz o solo, esbanja talento. Depois vem a Quinta Sinfonia de Johann Sebastian Bach (são 21, ensinou), e mais duas músicas, uma delas com Christiane Franco. Então acaba o concerto. O público aplaude de pé, e as palmas de bis começam. Maria Lúcia volta ao palco para agradecer, chama os maestros e as cantoras, havendo homenagens com discursos e flores.  A maestrina faz sua apresentação musical enquanto os maestros convidados tocam baixo, junto aos músicos locais. Cultura e contentamento, pois todos merecem o enlevo e deslumbramento da contemplação. O ruim? Muita gente filmando e desconcentrando o público.

Mas os poetas de Montes Claros foram pela segunda vez expulsos do Mercado Central Christo Raef. Era sábado e foram impedidos de fazer acontecer o sarau dos 30 anos do Psiu Poético. Levar poesia aos freqüentadores do mercado seria transgressão da ordem, segundo quem ordenou o fechamento à arte. Os convidados e seu organizador Aroldo Pereira, um poeta estóico que leva poesia aos quatro cantos do município há três décadas foi impedido de falar seus versos dentro daquele espaço público. Inacreditável retrocesso cultural e de comportamento. A longevidade desse movimento poético é digna de nota, considerando a não devida valorização da poesia. Estamos regredindo, voltando ao tempo da repressão e não se pode aceitar essa volta à idade das trevas. No lugar de versos, vergonha. Montes Claros não merece essa notoriedade indigna.

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade”   



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