sábado, 1 de outubro de 2016

Admirável mundo novo


* Por Clóvis Campêlo


O ovo da serpente está na chocadeira. Creio que devemos aguardar, já que não nos restam muitas outras opções. Como toda máquina irracional, a chocadeira limita-se a cumprir o papel que lhe foi designado, sendo para ela indiferente a origem do ovo a ser chocado e, muito menos, as intenções de quem lá o colocou. Afinal, não deve caber à máquina desafiar a determinação humana.

Se aos venenos cabe a função de autodefesa, inerente a muitas espécies, a peçonha difere por ser um instrumento de ataque e domínio. Por conseguinte, é muito mais mal-intencionada. Isso, analisando as questões sob a lógica ilógica do ser humano, pois aos animais não cabem questionamentos sobre o que a natureza lhes destinou. Se a composição existe é porque a ela cabe alguma função equilibrante no seio das coisas naturais. A perfídia é unicamente humana. Afinal, evoluímos para que?

Pensar, contrapor definições, arquitetar planos, tudo isso faz parte da natureza humana. Aos animais, cabe apenas o instinto de preservação da espécie e de sobrevivência do indivíduo. As leis que regem isso não se transformam ao sabor das conveniências, embora possam evoluir e sofrer transformações decisivas. No equilíbrio persistente da natureza, não há lugar para subterfúgios.

O subterfúgio escamoteia as várias faces da verdade, criando um ilusório jogo de espelhos e de falsas imagens e concepções. Muitos se perdem por aí. Muitos se arrependem depois, embora não tenham a noção do mal causado aos outros ou a si próprios e busquem explicações idiotas ou a autopunição, perdidos no vácuo inútil a que foram atirados por si mesmos.

Aos animais, também não cabe a inocência. As suas mentes animais não acumulam informações e atitudes inúteis e desnecessárias. Submetidos às tensões constantes da guerra da sobrevivência, exercitada diuturnamente, não lhes cabem definições românticas ou imbecis. É correr ou morrer.

Se nós, humanos, no uso imperfeito dos 10% da nossa cabeça animal, não tivéssemos exagerado na elaboração de tantas regras sociais inúteis e enganosas, talvez não estivéssemos hoje perdidos dentro de nós mesmos, nesse labirinto imagético. Essa ilusão nos leva a pensar que nem mesmo precisamos nos preocupar com as nossas sobrevivências. As instituições e as normas é que devem cuidar disso. Então, para que alimentar angústias? Nem mesmo conseguimos mais explicar os erros de percurso. Acompanhamos a boiada nessa vida de gado marcado. Ah!, admirável mundo novo.

Alguns acham que mesmo assim evoluímos. As novas gerações se distinguirão pela capacidade de abstração e domínio dessa nova realidade virtual e positivamente esquizofrênica (se isso for possível!). No entanto, será cada vez mais difícil e impossível estarem aqui e agora. E as suas sobrevivências poderão estar cada vez mais ameaçadas pelo tipo de comportamento mental adotado. Afinal, será mais fácil caçar pokémons do que fugir instintivamente dos perigos da vida real.

Seremos mais felizes, então? Pouco importa! Os artefatos químicos darão conta disso. Afinal, eles também são comercialmente viáveis.

Recife, setembro 2016

* Poeta, jornalista e radialista.


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