sexta-feira, 4 de setembro de 2015

Devaneios de uma roqueira 11


* Por Fernando Yanmar Narciso


CAPÍTULO 5 (PARTE 2/2)


Mal chegamos à cidade e, como não podia deixar de ser, lá vinha uma cena que se repete quase toda semana. Ao lado do portão do conservatório, na vaga onde Uli costuma estacionar a bumba, havia meia dúzia de brutamontes mal-encarados, de braços cruzados, olhando pra ‘nóis’ com cara de quem enfiou a cabeça numa boca-de-lobo e respirou fundo lá dentro.

- OK, meninas, se preparem pra sair disfarçadamente pela mala do carro, shit’s aboutta get ugly...

O obedecemos e engatinhamos pra fora do carro antes de Ulysses terminar de dobrar a esquina. A capacidade dele de entrar nessas roubadas é digna de ser estudada em Harvard. Com sua lábia irresistível, comum aos piores políticos do mundo, promete mundos e fundos aos donos de botequins, restaurantes e cabarés da região, mercadorias que são difíceis de arrumar até via-máfia. Consegue sempre seus adiantamentos com os fregueses, mas como nunca consegue trazer a mercadoria, a fila de gente querendo arrancar uma lasquinha dele só aumenta.

Os gorilas vieram correndo pra cima dele, quase não esperaram que ele parasse o carro. O arrancaram pela janela como um saco de batata. Um deles tinha uma pá nas mãos, outro um taco de sinuca. Se não me engano, alguns tinham até peixeiras no cinturão.

‘CADÊ A CERVEJA IMPORTADA QUE ‘OCÊ’ ME PROMETEU, ULYSSES? TE DEI R$500,00 ADIANTADOS MÊS PASSADO E ATÉ AGORA NADA!’’CADÊ OS 100 DO RUM ARTESANAL DA JAMAICA QUE ‘OCÊ’ IA PEDIR SEMANA PASSADA?’’ CADÊ OS 300 DA CONTA NA ZONA?’, Etc, etc, etc... Perceberam porque a gente desmanchou o namoro?

Eles o balançavam pra lá e pra cá feito um João- bobo e a rodinha de gente em torno da muvuca só crescia. Eu e minha prima ainda assistíamos a confusão de longe. Eu insistia pra entrar lá no meio da briga, mas Barbie insistia em me segurar.

- Larga, Lexi... Vê a mesma coisa semana sim, semana não, e ainda ‘num se acostumou?
- Eles vão matar o Ulysses, Barbie! A gente tem que entrar lá pra tentar apartar!
- Nhé, deixa disso, Lexi... Conhece o saci faz oito anos, ‘ocê’ sabe como ele sempre se safa.
- Tá, mas se safar daquilo ali?

Àquela altura os brutamontes já tinham deixado Uli nu com a mão no bolso na frente de meia cidade. Um deles veio trazendo um saco de palha, outro apanhou um galão de óleo automotivo na caçamba de um Saveiro velho e o banharam em ambos como faziam nos faroestes com piche e penas. Uli ‘tava’ tão desesperado e chorava tanto que poderia até se ensaboar de corpo inteiro usando as lágrimas no lugar de água. Mas quando um dos caras embebeu um pedaço de pau no galão de óleo e pôs fogo, não dava mais pra segurar: Eu tinha que entrar lá no meio. E Barbie me grudou pelo braço, ‘num’ me deixava entrar na briga!

- Me larga, Bárbara! ‘Num’ dá mais pra ficar assistindo! A gente tem que entrar lá!
- Fica calma, Lexi. O ‘anjo da morte’ do vagabundo já ‘tá’ a postos... Olha lá!

Ela apontou seu décimo cigarro do dia- pelo menos dos que a vi acendendo- para o alto da obra da prefeitura. Fiquei tão chocada com a confusão em que meu ex se meteu que até tinha me esquecido do ‘anjo da morte’, do guarda-costas de Ulysses. Lá do alto do andaime, a maior aberração já nascida assistia a tudo. Jô, Josué Kovalski, o Ogro Polonês, mestre de obras na prefeitura.

Uli diz que os dois se conheceram na mesma balsa em que chegaram clandestinamente ao Brasil. Louro, barbado e judeu ortodoxo, é tão alto que se ficasse na ponta dos pés conseguiria trocar uma lâmpada de poste. Os braços dele são tão grossos que se ele desse um abraço de urso numa árvore seca faria folhas brotarem nela de novo! Nem precisaria dizer que ele é tão assustador que é, provavelmente, o único homem da cidade com quem nunca transei...

Talvez a pessoa mais bem vestida da região, usa óculos Ray-Ban, terno preto, gravatas vermelhas e peças típicas do vestiário judaico enquanto carrega dez sacos de cimento nos ombros e empurra o carrinho de mão. Sabendo que já era hora de agir, o grandalhão assobiou lá do alto pra chamar a atenção e atirou o capacete aqui embaixo, que atingiu o asfalto igualzinho a um cometa. Deu uma cambalhota para fora do andaime e pousou no meio da roda como um super-herói.

- Precisando de uma mãozinha pra sanar as dívidas, Ulysses?- Trovejou o gigante, com seu sotaque carregadíssimo.- Seguinte, punks. É melhor vocês rezarem para que eu não tire os óculos, porque se eu tirar...

Well, agora só resta a mim e minha prima torcer praqueles galalaus já serem velhos conhecidos do Jô... Oh, nevermind. Se existe um sujeito com disposição pra brigar,esse é o Jô. Sem dúvida aqueles sujeitos são marinheiros de primeira viajem aqui na cidade, pois o cobrador que tinha a pá nas mãos explodiu o cabo dela nas costas de Josué, que se desfez em seus músculos como um jogo de pega-varetas.

I tell you, moçadinha. Ter sido humilhado no meio da rua, despido e quase assado vivo parece até um passeio no parque perto do que Jô fez com o bando de cobradores. Nem Kurt Cobain lá no inferno suportaria assistir a tamanha selvageria sem cobrir os olhos uma ou duas vezes... Até as ‘puliça’ chegaram pra tentar apartar o massacre, mas assim que viram que quem batia era o Jô os guardinhas bateram em retirada. A vantagem de ter mais de dois metros de altura e mais músculos que o Incrível Hulk é que ninguém tem coragem de te prender, mesmo que ‘ocê’ tenha feito por merecer...

-Viu, Alexia? Falei ‘procê’ que ‘num’ importa como, o saci tem sempre qualquer situação sob controle!
- ‘Num’ sei como e onde Ulysses consegue amigos assim... Então, Barbie? Vamos juntas ao Ceasa encomendar a comida pro posto ou ‘ocê’ dá conta do recado sozinha?
- E desde quando eu preciso de ajuda pra pedir comida?
- Ah, sei lá, do jeito como Dna. Bárbara Yracema Moura Bernardes adora achar motivo pra comprar briga com os outros...
- Tá bom... Ó, se der alguma zebra eu te dou um toque. Vou pelo menos tentar manter nosso acordo em pé, mas ‘num’ garanto que vou manter o capiroto dentro da jaula!

E assim nos separamos para descobrir o que essa manhã de terça-feira teria a nos oferecer de diferente dos outros 364 dias do ano. Apesar de eu já ter uma ideia vaga de como o dia de minha prima vai terminar... See ya later, guys!

Alexia, sua não tão confiável narradora.

* Escritor e designer gráfico. Contatos:
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cyberyanmar@gmail.com

Conheçam meu livro! http://www.facebook.com/umdiacomooutroqualquer

Um comentário:

  1. É fácil se divertir e dar risadas com as frases de efeito de Aléxia. O caminho é esse mesmo.

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