domingo, 20 de setembro de 2015

500 ou 515 anos de corrupção 2


* Por Mouzar Benedito


(CONTINUAÇÃO)

Limpando os cofres

O Banco do Brasil foi fundado e refundado várias vezes. A primeira delas foi em 1808, por Dom João VI, depois da sua chegada ao Rio de Janeiro, fugindo das tropas de Napoleão que invadiram Portugal. Ao voltar para Portugal, em 1821, Dom João VI pegou todo o dinheiro depositado no banco. Levou tudo!

O ministro honesto

Em 1831, depois da abdicação de Dom Pedro I em favor de seu filho, Pedro II, o ex-imperador seguiu para a Europa no navio Warspite. Com ele, o fiel Marquês de Paranaguá, antigo ministro da Guerra.

Paranaguá estava apreensivo, pois teria que viver com uma pequena aposentadoria que tinha em Portugal, não fez fortuna no governo. A bordo do Warspite, ele recorreu a Dom Pedro em busca de uma solução para seu problema e ouviu o seguinte do ex-imperador: “Faça o que quiser, não é da minha conta. Por que não roubou, como Barbacena?”. Barbacena, no caso era o ex-ministro da Fazenda, Visconde de Barbacena.

Caudilhos corruptos

No Rio Grande do Sul são famosos os caudilhos que combateram argentinos e uruguaios, com exércitos próprios e às vezes guerreavam entre si. Mas entre os caudilhos também havia corruptos. Na Guerra do Paraguai,  por exemplo, suas tropas foram contratadas pelo governo brasileiro, para defenderem as fronteiras brasileiras. Mas quando as tropas brasileiras chegaram a Uruguaiana, em 1865, praticamente não encontraram resistência. Onde estavam os caudilhos e suas tropas? Segundo Julio Chiavenato, no seu livro Os Voluntários da Pátria, alguns caudilhos receberam dinheiro para manter milhares de soldados e na verdade não tinham soldado nenhum, embolsaram o dinheiro. Entre eles, Davi Canabarro e o general João Felipe Netto.

Nelson Werneck Sodré, em seu livro História Militar do Brasil relata caso semelhante na Guerra Cisplatina (1825-1829), que terminou com a independência do Uruguai, até então pertencente ao Brasil, com o nome de Província Cisplatina.

Caxias e o denuncismo

Depois de entrar em Assunção, em 1869, na Guerra do Paraguai, o Duque de Caxias estava doente e resolveu voltar para o Brasil. Solano Lopez já estava derrotado e passou a ser caçado, literalmente. Deixou a guerra ganha e voltou, usando quatro mulas do Exército para trazer seus bens. Foi chamado de ladrão de burros no Congresso, acusado de ter roubado as quatro mulas que pertenciam ao governo. Ele era senador e, ainda muito doente, foi se defender no Senado. Primeiro, mostrou que pela lei ele tinha direito de usar as quatro mulas, depois comprovou que tinha devolvido os animais assim que chegou.

Alistamento militar

Em 1874, a Lei 2556 alterava os critérios de recrutamento de soldados para o Exército e a Armada (Marinha): os recrutados, de 18 a 35 anos, podiam ser dispensados mediante o pagamento de 400 mil réis, o que tornava o privilégio inacessível para os pobres, pois um artesão ganhava 30 mil réis por mês. O recrutamento se tornou um verdadeiro negócio. Houve abusos e perseguições, resultando numa insurreição feminina chamada “Guerra das Mulheres”. Elas invadiam igrejas, rasgavam editais e faziam passeatas em várias partes do Brasil.

Rui Barbosa e a decepção

Rui Barbosa foi ministro da Fazenda no governo do Marechal Deodoro, o primeiro da República. Anos depois ele se mostrava decepcionado com os desacertos e a corrupção da República: “De tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da honra, a ter vergonha de ser honesto. Essa foi a obra da República nos últimos anos”.

Graciliano e a boa administração

O escritor Graciliano Ramos foi prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas, e seus relatórios sobre a administração ficaram célebres, tanto pela forma quanto pelo conteúdo. Este é o trecho de um deles:

“No orçamento do ano passado houve supressão de várias taxas que existiam em 1928. A receita, entretanto, calculada em 68:850$000, atingiu 96:924$985. E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isso: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisam deles e pus termo às extorsões que afligiam os matutos de pequeno valor, ordinariamente raspados, escorchados, esbulhados pelos exatores”.

Itaipu

Segundo a revista Times, numa edição de 1981, empresas européias deram 140 milhões de dólares em propinas e suborno para autoridades brasileiras, para pegarem uma fatia da construção da usina de Itaipu.

O escândalo da mandioca

Na pequena cidade de Floresta, Pernambuco, a agência do Banco do Brasil fazia empréstimos a pessoas influentes do estado, supostamente para plantar mandioca. Mas elas nunca pagavam: alegavam que a seca destruíra os plantios que nunca foram feitos e os prejuízos eram cobertos pelo seguro agrícola. Em 1981, quando se descobriu a mutreta, calculava-se que o valor total dos “empréstimos” chegara a 700 milhões de dólares. Pedro Jorge de Melo e Silva, procurador da República, encarregado de apurar o caso, foi assassinado em Olinda, em 3 de março de 1982. Entre os acusados pelo assassinato, foi preso e condenado o major PM José Ferreira dos Anjos, que fugiu da cadeia em seguida e só recapturado em 1996. O processo de desvio de dinheiro não foi concluído e, claro, nenhum dinheiro foi devolvido.

Flagelados da seca

No Nordeste, é antiga a chamada “indústria da seca”. O dinheiro destinado a socorrer as vítimas da falta de água acabam em sua maior parte nos cofres de políticos e autoridades. E a parte que vai para a população nem sempre é para quem precisa. Um exemplo foi levantado em 1981, em São Raimundo Nonato, no sul do Piauí. Dos 2700 flagelados alistados para receber um pequeno salário para trabalhar nas frentes de trabalho, 1200 eram comerciantes com boa situação financeira, proprietários rurais e até médicos.

Jogando no ventilador

É comum justificar a corrupção como coisa que todo mundo faz. Quem não faz, sai perdendo. O empresário Emílio Odebrecht disse em entrevista publicado no Jornal do Brasil, em 24 de maio de 1992: “Eu acho que a sociedade toda é corrompida e ela corrompe. Hoje, para o sujeito resolver alguma coisa, até para sair de uma fila do INPS, encontra seus artifícios de amizade, de um presente ou de um favor. Isso é considerado um processo de suborno. O suborno não é um problema de valor, é a relação estabelecida”.

Previdência deficitária

Todos os governos dizem que a previdência é deficitária, justificando o achatamento do valor das aposentadorias. Mas o dinheiro que entra no sistema previdenciário é utilizado para muitas outras coisas, como o pagamento de dívidas de outros setores. Parte dele foi usado, por exemplo, para ajudar a pagar a Usina de Itaipu. No governo de José Sarney, na década de 1980, o ministro da Previdência, Waldyr Pires, cortou isso. Acabou com esse desvio e nesse período não faltou dinheiro na Previdência.

Quem devia tomar conta…

Recentemente, a Operação Curupira prendeu dezenas de pessoas de vários estados. Funcionários do Ibama, órgão encarregado de proteger o meio ambiente, estavam fazendo justamente o contrário, colaborando na extração ilegal de madeiras de lei. Entre os acusados, estava o Secretário Estadual do Meio Ambiente de Mato Grosso, o superintendente do Ibama no mesmo estado e o presidente da Fundação Estadual do Meio Ambiente. Os prejuízos causados pelas fraudes cometidas foi superior a um bilhão de reais.

São comuns casos semelhantes na Funai, órgão encarregado da proteção aos índios.

Pizza gigante

Em novembro de 1988, o senador Carlos Chiarelli (PFL-RS), relator da CPI do Senado que investigava a corrupção no governo federal, denunciou 29 pessoas, incluindo o presidente José Sarney e vários ministros, acusados de usar critérios escusos na liberação de verbas públicas e favorecer algumas empresas na contratação de serviços públicos. Mas o processo foi arquivado, por pressões do PFL e do PMDB.

Financiamento de campanhas

Uma velha denúncia da fundação Konrad Adenauer, da Alemanha, foi lembrada pelo professor Galvão de Souza, da PUC-SP: “Uma das formas mais comuns da corrupção dos estados democráticos envolve o financiamento dos partidos políticos”. No tempo dos fins da ditadura no Brasil, o ex-ministro Paulo Brossard dizia: “A democracia no Brasil é relativa, mas a corrupção é absoluta”.

Corrupção folclorizada

O brasileiro se acostumou tanto à corrupção nos governos que, em vez de se indignar, às vezes a folcloriza, transforma em piadas. Adhemar de Barros, ex-governador de São Paulo, ficou conhecido pelo slogan “rouba mas faz”, apropriado depois por malufistas. Claro que Maluf nega ser corrupto. Quem aceita a pecha são seus eleitores, alguns deles orgulhosos por seu ídolo nunca ter sido pego com a mão na massa, glória que vacila um pouco agora, com acusações de descoberta de contas bancárias altíssimas, com dólares suspeitos, em bancos da Europa, em nome de Maluf ou de familiares.

De Adhemar de Barros, sobraram muitas histórias, ou melhor, estórias. Uma delas conta que ele estava num comício e falou para a praça cheia:

– Dizem que eu sou ladrão. Mas – bateu no bolso da calça – neste bolso nunca entrou dinheiro roubado.

Do meio do público, veio uma voz solitária e gozadora:

– Calça nova, hem?

Corrupto assumido

Uma historinha é reveladora do conceito dos brasileiros sobre corrupção, que para muita gente é algo não tão grave assim. É “menos pior” do que outras coisas. No caso, é uma historinha de machismo. Ocorreu logo depois que os militares tomaram o poder, em 1964, quando a palavra gay significava simplesmente alegre, em inglês, ser homossexual não era uma coisa bem aceita pela sociedade e pelas famílias dos próprios – hoje assim chamados – gays.

Famílias ricas, quando tinham um filho homossexual, davam um jeito de esconder o fato. Algumas delas, politicamente influentes, arrumavam emprego para o filho enjeitado em alguma embaixada, quando mais distante melhor. Assim, pelo menos “não passavam vergonha”.

Então, as embaixadas brasileiras eram tidas, no exterior, como um amontoado de homossexuais, mas não só isso: de corruptos também. Era muito comum funcionários cobrarem propina para cumprir suas obrigações.

O marechal Castello Branco – o primeiro da série de militares a ocupar o poder, em 1964, disse que ia “moralizar” as embaixadas brasileiras, demitindo corruptos e homossexuais. E começou uma baita onda de demissões de funcionários que estavam no exterior.

Um dia, a imprensa do Rio teve notícia de que um homossexual e um corrupto foram demitidos da embaixada do Brasil em Paris, foram repatriados e chegariam num determinado voo. E na hora que o avião pousou havia um bando de jornalistas no aeroporto, querendo fazer matéria com os demitidos. Os dois saíram juntos do avião e, quando chegaram no saguão e viram aquele bando de repórteres e fotógrafos, um deles saiu pulando e gritando:

– O corrupto sou eu! O corrupto sou eu!

Comilões

Em 1981, quando Eurico Resende governava o estado do Espírito Santo, em apenas três meses as compras de carne para o Palácio atingiram 5,8 toneladas. Mas foram comprados também 850 frangos. Fazendo as contas, sua família “comeu” 72 quilos de carne e 9 frangos por dia. Mas o governo justificou: além das famílias havia os servidores que comiam lá! Haja servidores!

Darwin e a escravidão

Charles Darwin, autor da teoria da evolução, esteve no Brasil em 1836 e atribuiu o estilo de vida corrupto e desregrado existente aqui à escravidão: “É um país de escravidão e, portanto, de degradação moral”.

Estopins de escândalo foram inusitados

Os grandes escândalos que viraram CPIs para investigar corrupção tiveram como estopim para virem a público acontecimentos que não pareciam tão grandes. O escândalo atual começou a se tornar público a partir da filmagem de um funcionário dos Correios supostamente cobrando propina de R$ 3 mil. O impeachment de Fernando Collor, em 1992, começou com seu irmão Pedro Collor vindo a público denunciar a corrupção por causa de brigas familiares, incluindo um suposto assédio sexual do presidente à mulher de Pedro, Teresa Collor. A CPI dos Anões do Orçamento (eram sete parlamentares baixinhos envolvidos na manipulação do Orçamento da União) começou depois que foi preso o economista José Carlos Alves dos Santos, funcionário competente e respeitado no Senado. Sua prisão ocorreu porque sua esposa estava desaparecida, ele disse que ela havia sido seqüestrada mas era suspeito de ter participado de uma trama. Depois dele preso, a polícia encontrou em sua casa milhares e milhares de dólares. Para explicar a origem desse dinheiro, ele acabou confessando o envolvimento com os tais “anões do orçamento”, que recebiam grandes comissões para favorecer empreiteiras e desviavam recursos da União para entidades fantasmas de assistência social.

Correios: congresso caro

Em 1980, a realização do XVIII Congresso da União Postal Universal, no Rio de Janeiro, custou 450 milhões de cruzeiros, quando o custo previsto e relatado seria apenas de 20 milhões. Só em brindes (entre eles, 1.200 chaveiro de ouro, 600 pingentes de ouro e 160 canetas Parker) foram gastos 165 milhões. Mas houve também viagens para Manaus, Salvador e outros lugares, com hospedagem em hotéis 5 estrelas, oferecidas aos participantes.

Monteiro Lobato e o petróleo

O escritor Monteiro Lobato, defensor da exploração de petróleo no Brasil quando se dizia que não havia campos petrolíferos aqui, atribuía essa falsa informação a funcionários públicos encarregados da pesquisa que recebiam dinheiro da Standard Oil.

Corrupção militar

Em seu livro A História Militar do Brasil, Nelson Werneck Sodré dizia que durante o Império fornecedores do Exército enriqueciam rapidamente, passando recibo (e recebendo o dinheiro devido por isso) de mercadorias que nunca entregaram ou entregaram em quantidade ou qualidade diferente do especificado. Ele conclui: “Chega a ter a impressão de que de cada dez indivíduos nove eram desonestos ou dissidiosos na defesa da moralidade administrativa das Forças Armadas. (…) Os que discordavam eram poucos e considerados criadores de caso”.

Onze pontes?

Quando a ponte Rio-Niteroi foi inaugurada, uma informação não pôde ser publicada em lugar nenhum, pois era tempo de ditadura e certos assuntos eram barrados por ela: pagaram para sua construção onze vezes o valor do custo real. Só o Pasquim conseguiu informar, mas de forma velada. Publicou uma bela foto da ponte, com uma legenda mais ou menos assim: “Ilusão de ótica: onde vocês estão vendo uma ponte, na verdade são onze pontes”.

Para ir mais longe

Corrupção – um estudo sobre poder público e relações sociais, de Marcos Otávio Bezerra, Editora Relume Dumará

A economia política da corrupção no Brasil, de Marcos Fernandes Gonçalves da Silva, Editora Senac

A Fantástica Corrupção no Brasil, de Mário Barros Junior, edição do autor

Náufragos, Traficantes e Degredados, de Eduardo Bueno, Editora Objetiva



* Jornalista 




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