domingo, 27 de setembro de 2015

Desconfiança de pai


* Por Celamar Maione



Deocleciano Eduardo andava de um lado para o outro esfregando as mãos. A respiração ofegante incomodava quem estava perto. Olhava para o relógio impaciente.  Até que a sogra o fez sair do transe:
-Deocleciano, pára de andar de um lado para o outro! Tá me irritando.
-Dona Adélia, a senhora  não está nervosa? É seu primeiro neto!
-Mas não nessa ansiedade. Quase derruba a enfermeira. Você devia estar na sala de parto junto com a minha filha.
-Não tenho coragem!  Se aqui fora estou assim, imagina  lá dentro!
 
Os dois travavam um diálogo nervoso, quando chegou a enfermeira  com um sorriso  largo:
-Parabéns! O meninão nasceu com 3 quilos e 800 gramas.

Quando Deocleciano viu a pediatra com o bebê no colo,  gritou maternidade afora:
-Meu filho! Meu filho!!
Tios, cunhados, sogro, sogra, todos num abraço apertado comemoraram a chegada ao mundo de Deocleciano Eduardo Junior. Eduardinho Junior foi para  casa num clima de amor e aconchego. Com um mês de vida, o menino esbanjava saúde. Tio Noel, irmão de Esmeralda, mãe do bebê, era o único da família que ainda não tinha  visitado Eduardinho. Noel chegou à casa da irmã acompanhado da esposa . Estava  cheio de presentes para o sobrinho:
-Deocleciano, cadê o garotão? Tô doido para conhecer meu sobrinho. Não via a hora de chegar de viagem.

Noel correu para o quarto da irmã e foi direto ao berço de Eduardinho Junior. Pegou o menino nos braços, beijou, abraçou e fez gracinhas. Esmeralda aproveitou a presença do irmão e da cunhada e foi até a cozinha pegar a mamadeira do menino. Nisso, quando entra no quarto, Deocleciano escuta um comentário de Noel para a esposa:
-Não acredito Mirtes!  Eduardinho vai ser gay!
-O que é isso?! Como você pode falar assim de um bebê de um mês?!
-O olhar dele, conheço o olhar. Trabalho com turismo. Viajo o mundo todo e conheço gay pelo olhar. Não erro!

Mirtes bateu no móvel três vezes:
-O que é isso!? Não diga uma coisa dessas!
Deocleciano ficou furioso. A vontade que teve foi de ir às fuças do cunhado e gritar que  seu filho jamais seria gay. Era um pecado prever uma coisa dessas de um recém-nascido! Conteve-se. Foi até a sala, respirou fundo. Voltou para o quarto recomposto.

Desse dia em diante, porém, Deocleciano mudou. As palavras do cunhado não saíram mais da cabeça dele. Pensava noite e dia: “Será um castigo de Deus?!” Logo ele, um homofóbico assumido?! Se abriu com a irmã Nancy, uma solteirona católica apostólica romana, freqüentadora da missa das 6:
-Nancy, Deus castiga?
-Por que essa pergunta? Você não gosta de falar de religião!
-Eu preciso me abrir com alguém. Vou sufocar! O Eduardinho é gay!
-Tá maluco?! Como você diz uma coisa dessas do  meu sobrinho?!
-Quem falou foi o Noel. Escutei uma conversa dele com a Mirtes. Disse que reconhece pelo olhar.
-Que pecado!! Deus castiga, sim , mas não no seu caso. Se acalma. Vou rezar por você.

As orações da irmã não surtiram efeito. Deocleciano tinha pesadelos com o filho. Ele imaginava Eduardinho Junior já rapaz, apresentando o namorado alto e musculoso: “Papai, esse é meu namorado, Raul”. Via-se na rua servindo de chacota para a vizinhança: “Lá vai o pai do Eduardinho bicha”. Acordava suado e olhava para Esmeralda que dormia profundamente. Tinha vontade de sacudir a esposa e tomar satisfação: “Você me deu um filho bicha. Tá me ouvindo?! O que eu fiz pra você?!”

Pensava no ridículo da situação. Ia até a cozinha, bebia um copo de água e adormecia  até a hora de trabalhar. Saía e não se despedia de Esmeralda:
-Deozinho, você tem andado muito estranho. Não pega mais o Eduardinho no colo  e nem me dá beijinho de despedida.
-Tô com pressa. Depois a gente se fala!

Na verdade, Deocleciano não tinha coragem de encarar o filho. As palavras do cunhado martelavam sua cabeça:
-No duro, o garoto é gay. Conheço pelo olhar.

No trabalho, Deocleciano  olhava horas para o nada. Os colegas notaram:
-Depois do nascimento do Eduardinho Junior seu rendimento caiu. Seu Araújo outro dia comentava. Ele vai demitir você, abre o olho.
Deocleciano fez cara de quem não se preocupava com a demissão e perguntou ao colega:
-Você tem filho? Qual a idade dele?
-Está com 16. Por que?
-Ele é gay?

O colega disse um monte de impropérios para Deocleciano. Se seu Araújo não chegasse  na hora, partiriam para a agressão física. Deocleciano foi encaminhado para a psicóloga da empresa. Dona Regininha era conhecida por suas idéias modernosas:
-Seu Araújo me disse que o senhor era um excelente funcionário, mas está com problemas particulares e caiu de produção. O que aconteceu?
-Meu filho é  gay.
-Qual o problema em ter um filho gay?
-Eu digo que o meu filho é gay e a senhora pergunta qual o problema? Francamente.
-Ter um filho gay é normal. Esse preconceito foi superado pelas famílias. O importante é ser feliz. Seu filho é feliz?
-Não sei. Faz um ano de vida daqui a duas semanas.

A psicóloga licenciou Deocleciano. Na mesma noite, Deocleciano acordou de madrugada e foi até o bercinho do filho. O menino dormia serenamente. Deocleciano fez menção de pegá-lo. Uma besteira monstruosa passou pela cabeça dele. Olhava para o filho no berço e para a esposa na cama. A boca seca, apertava os olhos, abria e via tudo embaçado. Correu até o armário, fez a mala,  pegou documentos, cartão de crédito, fechou a porta com cuidado para não acordar Esmeralda e partiu de carro, sem rumo. Quando a mulher acordou e não viu o marido, foi até o berço e colocou o filho no colo. O bebê chorava de fome.

Deocleciano nunca foi localizado pela família. Eduardinho Junior cresceu sem pai. Para compensar a falta do marido desaparecido, Esmeralda encheu o filho de mimos e fez-lhe todas azs vontades. Aos 22 anos, Eduardinho Junior é um belo rapaz. Disputadíssimo por lindas mulheres. Tornou-se o estilista mais jovem da cidade!

*Radialista e jornalista, trabalhou como produtora, repórter e redatora nas Rádios Fm O DIA, Tropical e Rádio Globo. Atualmente, é Produtora-Executiva da  Rádio Tupi. Lecionou, recentemente, Telemarketing,  atendimento ao público e comportamento do Operador , mas sua paixão é escrever, notadamente poesias e contos.

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