Testemunhas e prisioneiros do nosso
tempo
“O escritor é testemunha e prisioneiro do seu tempo”. Quem
afirmou isso (não exatamente com estas palavras, mas com este significado), foi
o romancista francês, Patrick Modiano, ganhador do Prêmio Nobel de Literatura
de 2014, no discurso que fez, em 7 de dezembro do ano passado, em Estocolmo, na
cerimônia de entrega dessa premiação. O leitor que me acompanha com assiduidade
é testemunha de que declarei exatamente isso, e em “n” oportunidades e, mais do
que declarar, que comentei essa convicção (dele e minha), apresentando
justificativas para ter chegado a tal conclusão. Portanto, tinha (e obviamente
tenho) essa certeza muito antes de sequer desconfiar da existência de Modiano (quanto
a mim, certamente, ele jamais saberá que existo. Afinal, ele é famoso, e agora,
após a conquista do Nobel, muito mais, e eu.... Bem, não passo de um escritor
de terceira linha, desimportante e obscuro, em busca de um lugar ao sol, mesmo que seja
uma quase invisível nesga de luz).
Sim, amigos, somos testemunhas, mas também prisioneiros do
nosso tempo. Jamais compreenderemos integralmente situações e fatos de um
passado, anterior ao do nosso nascimento, embora julguemos que sim. Por que?
Porque não o vivemos. Sequer o testemunhamos. Conhecemo-lo de terceira mão.
Nosso relato, portanto, será fatalmente eivado de subjetividade, de fantasia
até, ou seja, de muita (delirante?) imaginação e pouca, ou nenhuma realidade. As motivações que os geraram nunca serão
iguais, mesmo que parecidas, com as que existiriam em nossa época, caso tivessem
acontecido nela. Como se vê, penso como outro ilustre ganhador do Prêmio Nobel
de Literatura, o português José Saramago pensava a propósito. O autor de “A
jangada de pedra” escreveu a respeito: “A verdade histórica não existe. A
História não é mais do que uma ficção. Quer dizer, uma ficção com mais dados,
concretos, reais, mas também com muita imaginação”. Que me perdoem os
historiadores, mas esta é, exatamente, a minha convicção.
O crítico satírico, escritor e jornalista norte-americano
Ambrose Guinnett Bierce, foi mais enfático e contundente ainda: “História: um
relato geralmente falso de acontecimentos geralmente fúteis, contados por
governantes geralmente velhacos e soldados geralmente tolos”. Patrick Modiano
acrescentou, em seu citado discurso: "Um escritor é marcado de forma
indelével por sua data de nascimento e por seu tempo, ainda que não tenha
participado diretamente da ação política, mesmo que dê a impressão de ser um
solitário retirado em sua 'torre de marfim'. Prisioneiro de seu tempo, está
marcado por sua percepção da época em que nasceu e em que vive”.
Outro aspecto que o romancista francês enfatizou em seu
pronunciamento é o da dificuldade crescente que o escritor contemporâneo
enfrenta para ser original e para captar e transmitir, com exatidão, o
pensamente reinante neste nosso tempo tão agitado e louco. Disse que, como
homem de letras do século XXI, sente certa nostalgia dos romancistas do século
XIX, justificando: "O tempo, então, passava mais lentamente que hoje e
essa lentidão permitia ao romancista concentrar sua energia e atenção".
Apesar de não condenar a internet e a cultura imediatista que ela enseja,
Modiano ponderou: "As redes sociais reduzem parte da intimidade e do
segredo que, até há pouco tempo, era o nosso bem, o segredo que dava
profundidade às pessoas e podia ser um grande tema romanesco".
Manifestou, todavia, sua expectativa (que, confesso, é também
a minha) de dias melhores, justificando a razão dessa esperança: "Estou
convencido de que os escritores do futuro garantirão a renovação, como fez cada
geração desde Homero, sobretudo porque o escritor manifesta em suas obras algo
de atemporal”. Como se vê, este é um tema complexo e polêmico, que tende a
render muito e que me induz a voltar a ele oportunamente. Afinal, polêmica é
minha praia. Mas não por amor à controvérsia e sim como forma, como estratégia
para provocar debate e, por ele, se chegar à verdade (ou aos arredores dela).
Boa leitura.
O Editor.
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Concordo com as definições de História apresentadas. Duas testemunhas oculares contam a historia de formas diversas, baseando-se em suas experiências de vida. Assim serão ainda mais dispares a versão dos historiadores que se debruçarem sobre documentos. Quem escreve biografias sabe do que se trata. Os descendentes sempre reclamam se algum fato pouco nobre for citado.
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