terça-feira, 1 de setembro de 2015

A estratégia xavante não previa o inimigo refrigerante


* Por Mouzar Benedito


Os jornais trouxeram um dia desses, uma notícia triste: os xavantes, povo indígena que conseguiu por muito tempo não se sujeitar aos invasores brancos, está agora sendo atacado por algo mortal da nossa cultura: o consumo exagerado de refrigerantes, que no caso dos índios, é mais prejudicial à saúde e causa diabetes em uma boa parcela deles. Muitos já morreram com a doença e outros estão mal.

Isso me trouxe à lembrança um filme brasileiro muito premiado fora daqui, que nunca vai entrar no circuito comercial e fazer sucesso de público, mas deveria ser visto pela grande maioria dos brasileiros, especialmente pelos que acham que índio é menos inteligente ou menos humano do que os descendentes de europeus.

O filme, de 2007, chama-se “Estratégia Xavante”. Ele não tem batalhas, não é apelativo, é equilibrado e muito interessante. Merece parabéns o diretor Belisário França.

Conta uma história que teve início com a percepção de um líder indígena de que, para seu povo sobreviver, era preciso entrar no cerne da cultura dos brancos, entender essa cultura e saber como se defender dela, para desenvolver uma estratégia tentando preservar seu território e suas tradições.

Na década de 1940, depois de muitas tentativas, sertanistas liderados por Sebastião Meirelles, conseguiram fazer contato com os xavantes do nordeste de Mato Grosso. Meirelles se admirou tanto pela sabedoria do líder desse povo que colocou em seu filho o nome dele, Apoena.

Nos anos da ditadura, o governo começou a incentivar fazendeiros a ocupar terras indígenas e para isso matava-se índios como se não fossem gente.

O cacique Apoena, já idoso, convenceu seu povo de que era preciso mandar meninos para a cidade dos brancos, para que estudassem, entendessem o que se passava na cabeça desses invasores e voltassem para suas aldeias, com estratégias para não serem mortos nem perderem suas terras e sua cultura.

Um sertanista de Ribeirão Preto, Paulo Barbosa, se ofereceu para levar os meninos para lá, cada um viveria com uma família. E assim, na década de 1970, oito meninos foram levados para Ribeirão Preto. As mães desses meninos choraram muito, mas entenderam que isso era preciso.

Os meninos tiveram que se adaptar a uma realidade que não conheciam, mas foram tratados com muita dignidade por famílias que cuidaram deles como seus filhos legítimos, estudaram, aprenderam as manhas da nossa cultura e, com inteligência, a criar maneiras de resistir a elas.

As teorias do cacique Apoena estavam corretas. Dos oito meninos xavantes que foram para Ribeirão Preto, só um não voltou para seu povo, mas continuou militando pela causa indígena e foi um dos que ajudaram a produzir o filme.

Os outros se tornaram líderes da nação deles, preservando sua identidade e suas tradições, mas usando muitos dos benefícios da sociedade branca. Conseguiram inclusive, com base nos conhecimentos adquiridos, reconquistar parte do território que pertencia a eles e foi invadida nos anos da ditadura.

Mas alguns “benefícios”, na verdade algumas facilidades do nosso modo de vida, que mais recentemente foram introduzidos no cotidiano dos xavantes, acabaram se revelando inimigos muito destrutivos. Cavalos de Troia!

Os aparentemente inofensivos refrigerantes conseguem o que outros meios de agressão não conseguiram: estão minando a cultura indígena e também a saúde dos orgulhosos xavantes. Que pena!

De qualquer forma, aproveito para recomendar a quem tiver oportunidade, para que assista a esse filme. E pense no que está acontecendo agora.


* Jornalista

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