quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Quem morre de véspera é peru de Natal

* Por Alexandre Vicente

O brasileiro tem muitas manias, mas uma em especial é marca registrada: deixamos tudo para última hora.

Ainda no colégio começamos nosso treino com dedicação e afinco: trabalho de casa só na véspera. Isso quando não é feito de manhãzinha, se estudamos no turno da tarde.

Quando a Tia Cecília pede uma pesquisa para entregar daqui a um mês, tenha certeza: a pesquisa será feita no domingo no fim da noite. Lógico que o resultado equivale ao empenho. Trabalho pífio, com nota medíocre. Mas eu tenho um happy ending para contar.

Lembro que estava na quarta série do antigo ensino fundamental e a professora havia pedido para fazer uma história sobre algum dos fatos do descobrimento do Brasil e seu desenrolar. O melhor trabalho ganharia um brinde, acho que era uma camiseta. Bom, como aluno mediano que fui, sabia que eu não era elegível para tal. Sendo assim, a tarefa foi para o fim da fila. No domingo, véspera da entrega, assisti a mais um episódio do programa d’ Os Trapalhões (na época era imperdível, pois tínhamos o time completo: Mussa, Zaca, Didi e Dedé) e quando começou o Fantástico a luz acendeu: “Ihh o trabalho de Estudos Sociais” – era assim que chamávamos a matéria de História.

Pelo que lembrava era para fazermos uma historinha, tipo gibi. Eu sentei e comecei a desenhar e contar as aventuras de Estácio de Sá. O carinha que terminou com uma flechada no rosto e virou bairro e Escola de Samba. As ilustrações eram toscas. Como não havia me preparado adequadamente, apelei para os desenhos de carinha com palitinhos fazendo o corpo e os membros superiores e inferiores. Lógico, que tinha um pouco de humor, pois eu só queria terminar aquilo e sabia que não ia ganhar nada.

No dia da entrega, vi os trabalhos dos colegas e fiquei com vergonha de mostrar o meu. Deixei quieto até que a professora pediu para colocarmos os trabalhinhos numa pilha em cima de sua mesa. Me livrei daquela bagaça e segui feliz, só com uma pontinha de vergonha, pois embora quisesse que ninguém visse, eu tinha que assinar aquela obra prima.

Um mês depois, trabalho corrigidos, a professora começa a falar que gostou muito de todos e aquele blá, blá, blá motivacional. Eu, quieto, torcendo para não ser citado como exemplo de trabalho ruim. Laranja podre…

Ela começou premiando o terceiro colocado e nessa hora me senti fora de perigo. Ninguém vai dar um prêmio de primeiro lugar e depois fazer menção honrosa ao pior trabalho apresentado. Comecei a jogar papel molhado no teto da sala (essa era nossa maior contravenção, ao contrário dos dias de hoje). De repente suei frio. Ela começou a falar de um trabalho que havia arrancado gargalhadas dela e que pela criatividade e simplicidade tinha tirado o primeiro lugar. Isso mesmo. Aquele trabalhinho mequetrefe arrancou o primeiro lugar e deixou muita gente indignada.

Muito envergonhado, fui lá na frente ganhar um abraço da professora, receber o prêmio e elogios imerecidos. Em perspectiva, nem tão imerecidos assim, pois realmente o texto era bem criativo.

Até hoje uso essa lição: ajuste de imposto de renda? Só na véspera.


* Escritor carioca 

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