Sinuosas distâncias
* Por
Urda Alice Klueger
Para Edson Ferretti
Em 1996, eu e minha
amiga Lúcia olhamos para um mapa estendido à nossa frente, e decidimos: iríamos
conhecer o Equador, a Colômbia e a Venezuela, países vizinhos, lá do lado de
cima do mapa da América do Sul (Noroeste, para quem conhece pontos cardeais), juntinhos,
pertinhos um do outro, terras fáceis de se percorrer em menos de um mês.
Decisão tomada, era
necessário saber como ir. Comparamos distâncias e verificamos os preços das
passagens aéreas: por um terço do preço da VARIG, a AEROPERU nos levaria de São
Paulo a Quito, no Equador, e, uns vinte dias depois, nos pegaria de volta em
Caracas, na Venezuela. De régua na mão, comparamos as distâncias entre as duas
cidades: era mais ou menos a distância entre Blumenau e o Estado do Espírito
Santo, no Brasil. Nosso raciocínio ficou fácil: ter-se vinte dias para ir-se de
Blumenau ao Espírito Santo era um tempão, dava para conhecer um monte de coisas
no caminho, sentir o sabor daqueles países desconhecidos, tão mal falados no
Brasil (do Equador, mesmo, não sabíamos nadinha, nadinha), mas onde, tínhamos
certeza, havia muito o que aprender sobre a nossa América.
Continuamos de régua na
mão ao fazermos o nosso itinerário. Por exemplo, pegávamos a régua e medíamos a
distância entre Ipiales, ao sul da Colômbia, e Bogotá, sua capital, e depois
víamos que distância dava aqui no Brasil. Era mais ou menos o mesmo tanto que
se ir de Blumenau a São Paulo. De Blumenau a São Paulo vai-se em dez horas de
ônibus, e passamos a fazer a programação do nosso itinerário usando as comparações
com as distâncias do Brasil.
Roteiro pronto,
passagens na mão, mochila nos ombros, partimos para descobrir mais um pouco da
América. Numa beleza de vôo, a AEROPERU nos deixou em Quito sem maiores
problemas, a linda, fértil e fragrante cidade equatoriana, que nos encantou
desde o primeiro momento, com sua gente de uma alegria ímpar e sua natureza
privilegiada. Três dias depois, partíamos de Quito para o Norte, e depois de
conhecer Ibarra, Otavala e San Antônio, penetramos na Colômbia.
Estávamos acostumadas
com as estradas do Brasil, com suas suavíssimas curvas e suas pouquíssimas
serras - não fizéramos conta de que, grande parte da nossa viagem, seria feita
sobre os Andes, a grandiosa cordilheira que atravessa o nosso continente de
norte a sul. Foi só quando nos vimos nas estradas andinas (por sinal,
excelentes estradas, em toda a região), foi que nos demos conta de que viajar
nos Andes era bem diferente de viajar no Brasil. Com todas aquelas montanhas,
as distâncias ficavam muito, muitíssimo mais longas do que imagináramos. As
rodovias se enovelavam nas montanhas, faziam todo o tipo de curvas para um
lado, até contornar uma montanha toda - daí passavam a fazer todo o tipo de
curvas para o outro lado, para contornar a montanha seguinte, e continuavam com
suas fechadas curvas por mais umas dez mil montanhas. Resultado: trechos que
imagináramos fazer em oito horas, acabavam devorando vinte e quatro horas do
nosso tempo, davam-nos a sensação de que nunca mais iríamos chegar.
Os vinte dias que
tínhamos para ir de Quito a Caracas, tempo que acháramos enorme, não passavam
de uma merreca. Pensáramos que era como ir de Blumenau ao Espírito Santo pela
BR-101, mas as montanhas tornavam as distâncias muito maiores.
Na verdade, foi muito
legal andar por aquelas montanhas todas. Estávamos sempre a 2.000, 2.500 metros
de altitude, e toda a região era muito fértil, com chuvas diárias, exuberantes
florestas e intensa agricultura nas encostas das montanhas. Nunca esquecerei
daqueles campos de muitos verdes e muitos amarelos, estendendo-se pelas
montanhas até à beirada das neves eternas lá dos cumes, cenas inesquecíveis,
que não imaginamos em países dos quais só se fala mal no Brasil.
O pior era quando a
estrada dava uma descida: a gente pegava um ônibus em cima dos Andes, usando de
todos os agasalhos de que se dispunha, e muitas horas depois o ônibus descia as
montanhas e entrava num clima tropical, e se queria morrer de calor. Tirávamos
todos os agasalhos, para, horas depois, tiritarmos à procura deles, porque de
novo subíramos as montanhas e nos enovelávamos por suas curvas fechadas.
Inesquecíveis
distâncias sinuosas, quando gostaria de lá voltar!
Blumenau, 06 de Janeiro
de 1998
* Escritora de Blumenau/SC, historiadora e
doutoranda em Geografia pela UFPR
.
Li seu livro "Viagem ao umbigo do mundo" como participante de um grupo de motoqueiros de Harlley-Davidson. Você foi carona e escritora oficial do grupo nas andanças pelo Chaco, na Cordilheira dos Andes. Deliciosa viagem, e a oportunidade de ver os nossos vizinhos sem a birra dos antigos relatos oficiais.
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