sexta-feira, 15 de agosto de 2014

Faça sua história

* Por Cecília França

Sempre ridicularizara aquele tipo de literatura. Nem o considerava como tal. Sua mãe vivia arrebatada pelas histórias de amores nada ingênuos e, invariavelmente, com finais felizes. Livros rasos, em sua opinião. Interessava-se por narrativas mais densas, histórias consistentes, reais, que não poupassem os personagens imprimindo-lhes apenas sofrimentos superficiais.

Na verdade, tinha uma queda por tragédias e romances psicológicos. Sem modéstia, achava-se intelectualmente superior por não perder tempo com aquela leitura banal. Achava-se. Porque agora estava ela, sempre com o livrinho aberto – deitada na cama, encostada na pia, em frente ao computador – envolta pelas palavras dos amantes incendiados pela paixão.

Devorava o terceiro volume e não conseguia parar de ler até que chegasse às últimas palavras, sempre equivalentes a um "viveram felizes para sempre". A cada livro que terminava custava a apagar da mente aqueles belos homens, de corpos bem talhados, que lutavam para domar suas amadas, protagonizando com elas cenas de amor de arrepiar a espinha. Para esquecer de um, só lendo outro.

Fora vencida pela mãe, que, vendo-a ser consumida pelo estresse do trabalho e da vida pessoal, praticamente a obrigara a ler as primeiras linhas. "É melhor que qualquer antidepressivo, minha filha!" Estava certa. Relaxada diante daquelas páginas que prometiam preencher seu vazio interior, ela sorria, leve por descarregar seu mau-humor em outro canto que não fosse os ouvidos das pessoas que amava.

Ao iniciar o quarto volume, deparou-se com uma situação de estranheza que crescia a cada linha. Tratava-se da história de uma jornalista com mais de trinta anos, solteira, realizada no trabalho, mas com uma vida pessoal daquelas para serem esquecidas – até a chegada do príncipe encantado, é claro. Tratar-se-ia apenas de mais um roteiro manjado, não fosse também ela uma jornalista, na casa dos trinta, porém, prestes a se casar.

Aquela mulher era livre, saía com os homens que tinha vontade, morava sozinha e trabalhava até altas horas, se quisesse. Ela, era obrigada a reservar parte de seu tempo ao noivo, que exigia atenção, e à família, dominadora. Morar sozinha mesmo, jamais. Sairia da casa dos pais para a sua própria. Ah, aquela mulher era o seu sonho de consumo.

Um homem alto, lindo, viril, tentava conquistá-la com ligações diárias, flores e convites para jantar. Há quanto tempo ela não sabia o que era ser cortejada! O noivo parecia muito certo de seu amor. De repente, viu naquelas linhas um sinal. Como lera tantas vezes ao longo da vida "nada era por acaso" e não era coincidência aquele livro cair-lhe nas mãos. Era a vida que queria estampada naquelas páginas.

Largaria tudo no dia seguinte, incluindo pais e noivo. Todos diriam que estava louca, não se importaria. Daria asas à sua liberdade, antes que fosse tarde. Passaria os próximos anos namorando quem tivesse vontade, sem compromisso, e dedicar-se-ia inteiramente ao trabalho, alcançando a tão sonhada promoção. O livro lhe abrira os olhos e o caminho.

Parecia tudo muito claro. Parecia. O livro terminava enquanto a jornalista ainda era jovem, bela, conquistadora, inteligente. E quando tudo isso acabasse, quando as rugas começassem a aparecer e os pais se fossem, bem como os amores esporádicos?

Resignou-se, com um leve sorriso no rosto. Realmente nada era por acaso. Entendendo tudo, rasgou as folhas do livro, sentou-se diante do computador e escreveu, ela própria, sua história.

* Jornalista

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