sábado, 30 de agosto de 2014

Dois poemas

* Por Laís de Castro

Primeiro e último

Quando você viu no espelho
a primeira ruga que marcou o lado da boca,
não se importou. Lembrou do primeiro beijo,
roubado, mal dado, corrido, assustado, errado.
Ao ver a segunda ruga, que subiu entre os olhos,
riscando a testa, lembrou do primeiro amor,
mal feito, mal acabado, dolorido, entrecortado
de medos e escondido.
Ao ver a terceira ruga, lembrou-se da primeira
que não assustou quanto esta, que aponta
para um caminho sem volta.
E se lembrou de tantos beijos, molhados, gozosos
 como os mistérios da vida, saboreados, escolhidos,
encantados, dourados. E se lembrou dos amores
bem feitos, excitantes e excitados, curtidos, desfrutados,
suados, marcantes e marcados.
Lembrou dos amores que renderam frutos, filhos,
você sabia quando eles eram plantados.
Rugas e beijos, amores, futuro, presente e passado.
O espelho fosco, quebrado.


Signo de gêmeos


Tenho um pouco de minha mãe,
As vezes sou doce e mansa,
tenho muito de meu pai,
sou um turbilhão em chamas,
Mas, como ela, sei a hora de chorar
e conseguir tudo o que quero.
E, como ele, sei me retirar
Se perdi a vez, saio e espero
(para logo depois voltar...)

Com as mãos de minha mãe,
Sei escrever avisos de prudência,
E, claro, sei, equilibrar pendências.
Com as unhas quadradas de meu pai
Sei cometer um profundo arranhar
Mas sei, como gata materna, me enroscar
E ganhar, de virada, as desavenças.

Tenho, por fim, a distração da velha mãe
E a atenção redobrada de meu pai
A inexperiência dela, abstraída,
(não herdei seu amor pela missa...)
Mas fiz questão de guardar dele,
em revolta contida, o clamor pela justiça.


* Jornalista, atuou no grupo Abril (3 prêmios Abril). Trabalhou, ainda,  8 anos na Editora Três (sob Luís Carta), 11 na Editora Símbolo onde foi diretora da Corpo a Corpo, da Vida Executiva e na Dieta Já. É autora do livro “Um velho almirante e outros contos”, pela Editora Siciliano.



Nenhum comentário:

Postar um comentário