quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Donos? Do que?

"O homem concebera-se, por muitos séculos, no centro de um universo limitado no espaço e no tempo e criado em seu benefício. Imaginara-se habitante, desde a Criação, de uma Terra imutável no tempo. Construíra-se uma história de poucos milhares de anos que identificava a humanidade e a civilização às nações do Oriente Próximo e, depois, à Grécia e Roma. Pensara-se diferente, em essência, dos animais; senhor do mundo e dono de seus próprios pensamentos. Em breve, no novo século, ele terá de defrontar-se com a destruição de todas essas certezas, com uma diversa, menos narcisista mas decerto mais dramática, imagem do homem". Esta afirmação não é minha (embora concorde, em termos, com ela). É do italiano Paolo Rossi.

Antes que alguém me questione, ou que algum desavisado confunda, aviso que a personalidade citada não é o centroavante da seleção da Itália, carrasco da equipe de Telê Santana na Copa do Mundo de 1982 na Espanha. Não é, pois, o autor dos três gols da “Azurra”, naqueles fatídicos 3 a 2, episódio futebolístico que ficou conhecido como “Desastre do Sarriá” (desastroso para nós, brasileiros, obviamente). Esse Paolo Rossi não tem nada a ver com futebol. É um filósofo italiano, e dos mais respeitados, que faleceu recentemente, em 14 de janeiro de 2012.

A citação foi “pinçada” de seu livro “Os sinais do Tempo”. A obra em questão foi lançada no Brasil pela Companhia das Letras e pode ser facilmente encontrada em qualquer boa livraria. Sua abordagem é não apenas pertinente, mas fascinante. Centra-se, principalmente, em três eixos temáticos: nas histórias da Terra e das nações e nas teses sobre a origem da linguagem e do pensamento abstrato. Trata-se, como se vê, de um livro precioso, diria imperdível, que lhe recomendo sem pestanejar, curioso leitor.

Porventura, o pensamento do homem contemporâneo mudou, a esse propósito? Entendo que não. Pelo menos não o da maioria, que ainda pensa que é o “centro do universo”, que acha que já entende essa misteriosa e monstruosa grandiosidade, convicto que esta seria restrita, ou seja, limitada no tempo e no espaço. Estaria certo nesta convicção (ou presunção, como queiram)? Obviamente que não! Em relação ao universo, somos menos, até, que o menor dos infinitamente pequenos microorganismos. Estamos limitados em um planeta de dimensões tão ínfimas, que a certa distância (para nós incomensurável, mas que em termos universais é pequeníssima), é impossível de ser localizado. É como se sequer existisse.

Estamos submetidos a fatores aleatórios que, em fração de segundos, podem destruir, sem deixar o menor vestígio, tudo o que somos e construímos. No entanto... quem pensa nisso? Quem cogita da própria efemeridade? Quem está consciente, mas consciente de fato, de que no minuto seguinte pode estar morto? Agimos como se dotados de vida eterna. Somos arrogantes ao ponto de “achar” que compreendemos este mistério que se refere à nossa existência, ou seja, ao o que somos, por que vivemos e onde, de fato, estamos, entre tantos outros questionamentos.

Paolo Rossi, embora em princípio pareça pessimista aos desavisados, mostra um otimismo incomparável. Afinal, acredita que o homem (ou seja, cada um de nós) irá mudar seus paradigmas já neste século e cair na realidade.  Não sou pessimista, mas não creio que isto virá a acontecer. E não só nesta geração, como em nenhuma outra. Isso se não nos destruirmos antes, ou se algo além da nossa capacidade de defesa não o fizer em um piscar de olhos. Rossi, no trecho que selecionei de seu livro, afirma que o homem “pensara-se diferente, em essência, dos animais, senhor do mundo e dono de seu próprio pensamento”. O notável filósofo fez essa constatação como se fosse coisa do passado. Mas é? Essa arrogante convicção foi alterada, posto que minimamente? Óbvio que não.

O homem contemporâneo, com todo o acervo de informações que conseguiu reunir, com as facilidades de transporte e de comunicação que a tecnologia colocou a seu dispor, continua tão arrogante e insensível como sempre foi. Aliás, é mais, muito mais do que os das gerações que o antecederam. Não dá a mínima para os animais. Age como se o mundo fosse só seu e que, por isso, pode fazer com ele o que quiser; comporta-se como se fosse viver para sempre, sem atentar para o fato de que é mortal e que no momento seguinte pode estar morto e que horas a seguir começará a se decompor. Não se preocupa, de fato, sequer com os semelhantes, quanto mais com outras espécies, com os outros seres vivos.

Pitigrilli traçou um perfil humano genérico, não de alguém específico, mas do tipo médio, no qual a maioria se enquadra. Escreveu, no livro "Lições de Amor": "O homem não é nem anjo, nem fera, ou é ambas as coisas em proporções desiguais. A beneficência, a moral, a caridade não podem fabricar homens e mulheres ideais. Devem servir-se daqueles que encontram". Caso o homem mude todas suas certezas atuais, substituindo-as por “uma diversa, menos narcisista, mas decerto mais dramática”, como prevê, com extremo otimismo, o filósofo Paolo Rossi, essa nova imagem será a real? Terá, pelo menos, a mais leve das proximidades com a verdade? Ou a subjetividade e o preconceito continuarão determinando seus (na verdade, nossos) julgamentos? Sabe-se lá!

Boa leitura.


O Editor

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Um comentário:

  1. Ah! Já acabou? Fiquei pelo meio do caminho. O tema é tão assustador quanto instigante. Não pensamos na nossa efemeridade por medo, e alguma arrogância. Melhor não pensar.

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