quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Entregue-se, Joff

* Por Marcelo Sguassábia

Devaneio a partir de uma reflexão de Ruy Castro


É, Joff. Para quem começou vendendo livros pela internet, o salto foi bem grande. Aonde afinal de contas você imaginava chegar, meu velho? Se deu certo com livros, deve dar certo com CDs. Deu, Joff. E você soube seguir em frente com a brincadeira. “Ou consigo meu primeiro bilhão em seis meses, ou não me chamo Joff”, você deve ter falado para si mesmo, olhando no espelho essa sua cara de bezerro desmamado.

Do quarto da casa onde tudo começou, partiu em poucos dias para um galpão. Em seguida, um latifúndio deles. Não precisou de porta aberta. Enter sem bater, a qualquer hora, e deixe todo o dinheiro que puder. Tiro certeiro e mortal. Três livrarias fechadas em Ohio. Cinco lojas de música passam o ponto em Oklahoma. Estes e outros estragos só em um dia, Joff. Misericórdia.

Mais treze entrepostos logísticos de mercadoria entram em operação. Outros oito são necessários para dar conta dos pedidos apenas no noroeste da Pensilvânia. Crescimento exponencial, fogo sobre palha seca. Sim, Joff, você acreditou mesmo que faria sucesso. Só não conseguiu prever que ele seria tão rápido.

A loja de tudo entrega em até 48 horas o iate que você comprou, envolto em plástico bolha. O império Joff se alastra, as ações na Nasdaq não param de subir. Aponte o celular ou o controle remoto para a tela e terá o produto girando em 4D bem à frente do seu nariz. Gostou? Então dispare o feixe de laser sobre o ícone com a forma de pagamento. Pronto: por biometria dos poros do antebraço, Joff  já ficou sabendo que você é você mesmo. Para que trocar o que ama fazer pelo desgastante e demorado ritual de compras?

A essa altura, você já não sabia mais como lidar com tamanha velocidade na entrada de receitas. A colossal engenhosidade de Joff azeitou as toscas engrenagens da máquina capitalista. De sua chaise longue de vison belga, Joff faz como seus milhões de clientes: compra remotamente. Mas compra condomínios inteiros de galpões para estocagem. Nem vê direito o que está comprando. Precisa de mais e mais espaço. Rapidamente. Um bunker de 12 hectares de extensão, com paredes de concreto de 80 cm de espessura, abriga em local secreto um infinito plantel de servidores que processam exclusivamente os pedidos da Joff Inc.

Então suas vendas começaram a cair vertiginosamente. Em velocidade ainda mais espantosa que a que levou você ao auge. Ao mesmo tempo, o dinheiro já tinha lhe enfastiado tanto que você já estava mesmo querendo se livrar dele. E pensou: vou gastar tudo como se o mundo fosse acabar amanhã.

Só que o mundo tinha acabado ontem, Joff. Quando botou a cara pra fora da sua mansão de 200 acres é que viu o tamanho do estrago. Comércio algum restou aberto. Nenhum comércio, nenhuma indústria – mesmo porque quase tudo você traz da China. Nenhuma indústria, nenhum serviço, nenhum emprego. Vai gastar seu rico dinheirinho de que jeito, Joff? Só resta a você fazer a entrega de si mesmo ao mundo que destruiu, num prazo máximo de 48 horas. Envolto em plástico bolha.

* * Marcelo Sguassábia é redator publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com (Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com (portfólio).


Um comentário:

  1. Um final bem infeliz, mas em seu país. Na China a economia está borbulhante.

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