Do
que será que morreu o Firmino?
* Por Rodrigo
Ramazzini
A notícia de que o corpo do Firmino fora
encontrado pelo carteiro já sem vida, atrás de algumas plantas e próximo da
garagem da sua residência, se espalhou rapidamente pela população da pequena
cidade.
- Acharam o Firmino morto no pátio de
casa! – informavam um a um os moradores.
Firmino morava em uma casa de esquina,
com o pátio fechado no seu entorno por grades de cor marrom. Ele era conhecido
de todos, pois fora proprietário de uma barbearia e presidente de um clube
social por quatro mandatos.
Acionada pelo carteiro, a polícia isolou
o local, cobriu o corpo com um lençol branco e informou aos familiares que
começavam a aparecer:
- Vamos ter que esperar a perícia chegar
da capital para liberarem o corpo!
Era sabido que a espera pelos peritos
demoraria de três a quatro horas. Fora a senha para que uma multidão iniciasse a
peregrinação rumo à casa do Firmino para ver e tirar fotos para postar na
internet do morto estendido no chão, mesmo que a vegetação do pátio e o lençol
deixassem muito pouco a ser visto por quem olhasse pelas ruas que contornavam a
residência. Entre as grades de proteção do terreno, enxergavam-se apenas os
sapatos do falecido. Entretanto, isso não fora um empecilho. O negócio era
sanar a curiosidade. Curiosidade essa que acabou provocando um acidente, quando
o dono de uma renomada cafeteria da cidade perdeu o equilibro e caiu de uma
árvore ao tentar ver o corpo. Quebrou dois dedos do pé esquerdo.
Logo que as duas funerárias da cidade
souberam do reboliço mandaram seus representantes para dar condolências aos
familiares e disputar o “presunto”. Um vendedor de “churrasquinho de gato”
percebendo o povo em romaria ao local em um número cada vez maior, correu em
casa, pegou seus equipamentos e dez minutos depois já estava com tudo armado e
enfumaçando toda a rua. O engraxate a oferecer seus serviços e um missionário a
convidar todos para o culto. As rádios e jornais locais passaram a transmitir e
acompanhar o caso intensamente. Um pretendente a vereador nas próximas eleições
a discursar sobre a violência dos nossos dias atuais. Enfim, o “circo” estava
armado. E, enquanto a perícia era aguardada, a procura por uma única resposta inquietava
os “investigadores de plantão” e pautava os bate-papos da população:
- Do que será que morreu o Firmino?
A tese de que deveria ter morrido de
causas naturais devido à avançada idade imperava até que uma série de hipóteses
entrou em campo, associada a um desencontro de informações e a graciosos inventores
de histórias que sempre aparecem nestes casos, ajudando a disseminar a onda de
boatos pela população. Firmino andava descontente com a vida. Com isso, a
versão de suicídio ganhou força. Outra corrente de suposições projetava que,
pela maneira que o corpo estava atirado no chão, um simples tropeção e a batida
com a cabeça no chão, poderia ter provocado a sua morte. Não demorou muito para
aparecer um dizendo que havia escutado um barulho semelhante a um tiro por
aquelas redondezas, um pouco antes de o carteiro encontrar Firmino. A
realização do disparo foi incorporada nas cogitações do que ocorrera e a versão
de que ele se matara com um tiro espalhada rapidamente. Outros contrariavam
esta hipótese porque ouviram dizer que os primeiros que chegaram ao local viram
Firmino com três marcas ensanguentadas no tórax, que pareciam de facadas. Ou
tiros. Se forem três tiros, provavelmente, ele não se matou. Ou seja, alguém
matou Firmino. A facadas ou tiros. Ele tinha alguns inimigos e os seus nomes
começaram a ser projetados como suspeitos. “Será que não foi o fulano?”,
perguntavam-se. A polícia não descartava nenhuma hipótese e, como sempre,
também, já tinha suspeitos para todas as versões. Viram um homem passar
correndo pela rua, mas não souberam precisar o horário. Podia ser um desses
inimigos que executou o “serviço” e fugira o mais rápido possível. Ou um
ladrão. Se fosse um ladrão, o que pode ter acontecido é que Firmino o pegou no
momento do crime e este o atingiu com tiros ou facadas. Que em uma nova cogitação
já haviam subido para o número de cinco. É a história e suas versões.
Com dificuldades para entrar com o carro
na rua devido ao grande número de populares, a equipe de peritos chegou 4 horas
depois de comunicada. Para desespero do povo que assistia a tudo, o local em
que estava o corpo de Firmino foi isolado com uma lona preta, em forma de
parede. Ninguém viu mais nada. A perícia fez o seu trabalho e deixou a casa de
Firmino sem dizer uma palavra. O corpo foi removido para o Instituto Médico-Legal
para a continuidade da perícia. Aos poucos a população foi se dissipando da rua
e o “circo” sendo desmontado.
Poucos apareceram no velório no dia
seguinte para confortar a família. A morte de Firmino foi assunto na cidade por
apenas mais dois dias. Logo, a curiosidade sobre quem seria o pai da criança
que a filha do prefeito estava esperando tomou as rodas de conversas do
município. Ele acabou esquecido.
Quatro meses depois, a esposa de Firmino,
que era 20 anos mais nova que ele, foi presa pela polícia. O laudo pericial
sobre a morte de Firmino apontou a presença de veneno de rato em sua corrente
sanguínea, o que provocou uma alteração na pulsação e, como era cardíaco, o
levou a ter um enfarte fulminante. O laudo, ainda, assinalou que não havia
qualquer marca de perfuração no corpo de Firmino que pudesse ter o levado a
morte. Em depoimento na Delegacia de Polícia, a esposa confessou o crime. O
objetivo era ficar com a herança.
A prisão da esposa de Firmino repercutiu
na cidade e nos comentários uma uníssona opinião era emitida por todos que lá
estiveram no dia de sua morte:
- Eu sempre desconfiei dela!
* Jornalista
e contista gaúcho
Depois que o ovo de Colombo está de pé, não resta a ninguém nenhuma dúvida.
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