Calígrafos e caligrafias
* Por Pedro J. Bondaczuk
“Que letra bonita que você tem,
Pedrão!”, exclamou, dia desses, a Madalena, colega de trabalho, a propósito de
um bilhete que lhe deixei sobre um determinado serviço pendente. Estranhei o
elogio que, a esse propósito, registro, não foi o primeiro. Muitas outras
pessoas já elogiaram a minha caligrafia, para o meu espanto. Sim, porque quando
ainda criança, na escola primária, tive sérios problemas por causa da minha
letra, um montão de garranchos assimétricos e anti-estéticos, não raro
incompreensíveis até mesmo para o seu autor (no caso, claro, eu).
Corrigiria, portanto, a Madalena
(e outros tantos que elogiaram a minha escrita: não o conteúdo, mas a forma):
bonita, não! Exótica, seria a designação mais adequada. É certo que, a partir
da 2ª série do antigo curso ginasial, modifiquei a minha forma de escrever.
Passei a utilizar-me de letras de forma, miudinhas, o que me causou, na
oportunidade, problemas tão grandes, senão maiores do que os que a maneira anterior
de escrever vinha causando.
“Escreve direito, menino!”,
disse-me, certa feita, meu professor de Português na época. E, por causa da
letra, descontou-me dois pontos, em uma prova de gramática, na qual a classe
inteira foi mal e em que eu deveria tirar nota 10, já que respondi com correção
a todas as perguntas e não errei nenhum dos exercícios. Não tirei. Minha nota, na
ocasião, foi um oito, o que me deixou frustrado, a ponto de me queixar à
diretoria.
Por pura teimosia, continuei
escrevendo daquela mesmíssima forma. “Afinal”, raciocinei, “o que vale é me
fazer entendido”. O professor insistiu que aquela maneira de escrever não era a
adequada. Chegou a me dar zero noutra prova que, na verdade, fora impecável.
Fiquei perturbado, pois passei a correr iminentes riscos de ser reprovado numa
matéria que sempre gostei e que sempre também me dei bem, tudo por causa de um
simples capricho (meu e do mestre, convenhamos). Mas persisti em redigir
daquela forma. Com o tempo, acabei ganhando a parada. Isso foi há exatos 50
anos (meio século, quem diria!), em 1958.
Hoje escrevo exatamente dessa
forma que me trouxe aqueles problemas. Claro que se fosse “copista” – profissão
de muito valor na antiguidade, antes da invenção de Johann Guttenberg – não
seria aceito em nenhum monastério. Eram os monges os editores daquelas remotas
eras (não tão remotas assim), assegurando a sobrevivência de textos e mais
textos, para o nosso deleite e enriquecimento cultural. Jamais eu seria
considerado um calígrafo! Não importa! Hoje sou mais do que mero “copiador”.
Sou escritor!
A maneira que meu professor de
Português, da 2ª série ginasial, queria que eu escrevesse, era utilizando esses
caracteres manuais clássicos, que se aprendem (ou se aprendiam, não sei) nas
cartilhas que nos ensinavam as primeiras letras. Qualquer pessoa, razoavelmente
alfabetizada, a utiliza. Eu não! Não sei por que artimanha diabólica, nunca
consegui escrever dessa forma. E, claro, não consigo ainda hoje.
Lembro-me da verdadeira batalha
que minha saudosa professorinha do primeiro ano primário, Dona Helena, travava
comigo, nas aulas de caligrafia. Meu caderno dessa matéria, com as respectivas
pautas que dimensionavam o tamanho das letras (hoje, nem sei se ainda existem),
era um circo dos horrores. Eram garranchos tortos e desproporcionais não
somente feios, mas utilizando todos os superlativos conhecidos: horrendos,
pavorosos, tétricos etc. etc.etc.
Com o uso, minha letra foi
adquirindo forma e personalidade. Até que ficou engraçadinha. Mas bonita? Não!
Longe disso! Exótica, isso sim! Minha obra jornalística e literária foi, em
pelo menos dois terços, produzida em máquinas de escrever. O terço restante,
brotou do computador, com o qual estou tão afeiçoado, que é como se eu tivesse
nascido já usando essa utilíssima ferramenta. Mas nunca deixei de escrever a
mão. Não textos para consumo externo, é óbvio, mas em minhas anotações e nos
recados por escrito que às vezes preciso escrever (a colegas de trabalho, à
mulher, aos filhos, à empregada). E não pense o leitor que é pouca coisa.
Olho para a minha biblioteca e
vejo, alinhadas, em várias prateleiras, cinqüenta e sete agendas, todas
repletas de textos, na minha letra miudinha e inclinada para a esquerda (e não
se trata de ideologia, mas ao fato de eu ser canhoto). Trinta e oito delas são
anotações esparsas, fichas de livros que li, poemas copiados alhures de livros
que não pude adquirir, planejamentos de contos e romances etc. As dezenove
restantes são meus diários dos últimos 19 anos, quando cismei que deveria
manter o registro dos meus dias para a posteridade, caso me torne famoso e
alguém queira escrever a meu respeito. Nunca se sabe, não é verdade? A
probabilidade é que um dia esses registros todos irão alimentar uma bela
fogueira. Contudo... pelo sim ou pelo não...
Por isso é que gosto tanto de
crônica. Um simples elogio, ao acaso, feito por uma colega de trabalho,
suscitou estas considerações, que não sei se terão importância ou validade para
quem quer que seja. Nunca se sabe, não é verdade? A probabilidade é que o leitor
vá torcer o nariz e dizer aos seus botões: “quanta bobagem!”. Ou que venha a
postar um comentário furioso e malcriado, quando não ofensivo à minha
inteligência, no espaço abaixo. Contudo... pelo sim ou pelo não...
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio
Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor
do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico
de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos
livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos),
além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com.
Twitter:@bondaczuk
Como escrevi no Facebook: Não vai mudar a rotação da Terra, mas nos detalha, a seus amigos e leitores mais informações sobre você. Já citado, mas tinha me esquecido que era canhoto. Meu filho e eu também somos, e ele também não conseguiu escrever em letra cursiva, como se diz, e sim em letra de forma, como você. As banalidades podem tomar maiores importâncias no momento em que mais pessoas passam a observar certos detalhes.
ResponderExcluir