Palavras malditas
* Por Mara Narciso
As palavras são seres vivos que nascem
e morrem. Quando a experiência já chegou, notamos vez por outra o uso de
palavras que, pelo desuso se tornaram arcaicas. Que crianças e jovens não
saibam o que é, espera-se, mas adultos relativamente informados, também podem
desconhecer o termo. Outro dia falei, para espanto de todos, que o Atlético
havia “furado” um gol. Dizer feito ou marcado um gol seria mais atual. Porém,
mais antigo ainda é “o time A marcou um tento”. Alguém se lembra?
Expressões idiomáticas envelhecem.
Outras desistem de morrer. Por mais estranho que pareça ainda se diz, inclusive
nas novelas, que são o pai e a mãe de todas as modas: “ainda não caiu a ficha”.
Meninos, antigamente para se telefonar (falar ao longe, pois tele significa
longe, e fonar é falar), usavam-se um telefone público, vulgo “orelhão”, que no
começo só existia nas grandes cidades. Era um grande e pesado aparelho
metálico, feito uma caixa, medindo uns 40 cm, com um fio grosso em uma das
extremidades de onde partia uma espécie de anexo com bocal ou fone e a porção
de ouvir. Era parafusado na parede, na posição vertical. No meio do aparelho
havia um disco, chamado dial, com números, onde se enfiava o dedo e se girava.
No topo, e à esquerda havia um buraco para colocar a ficha, parecendo uma moeda
de alumínio, que tinha posição exata para entrar, com frente e verso e era
comprada nas bancas de revista. Enfiava-se a ficha e se discava. De vez em
quando o telefone a comia sem completar a ligação. A conversa só começava
quando o artefato caia dentro do aparelho, fazendo um barulho característico. A
cada instante o telefone comia mais uma ficha, e mais outra. Então era preciso
abastecê-lo freneticamente, especialmente em ligações para outra cidade. Mais
antigo impossível. O telefone público acabou, mas a expressão continuou. E
então? Caiu a ficha?
A tecnologia joga fora várias
expressões em alta velocidade. O que dizer do problema na “rebimboca da
parafuseta”, ou “no eixo da grampola”, peças e funções inexistentes, faladas
apenas para zombar de quem tem o carro avariado? Imagino o que pensa um
frentista novato olhando o motor dos infinitos tipos de carro importado. Isso
atrai outro termo antigo, e, me desculpem a incorreção: um burro olhando para
uma igreja.
O preconceito contra palavras não é
novo. Antes da invenção do politicamente correto, já havia expressões que eram
evitadas pelas pessoas educadas, que não falavam palavrões e nem as palavras
vetadas pelos pais. Vocábulos pejorativos deviam ser evitados pelas bocas
elegantes. A minha mãe, Milena, detestava que se dissessem égua, cadela,
aleijado, tuberculoso. Eram termos proscritos, especialmente a campeã,
“desgraça”. Esta palavra significava a maldição completa e a danação total de
quem a proferisse. Falar tal termo era evocar todos os males no mesmo instante.
Era preciso convencer as crianças da veracidade deste fato, assim a desgraça
era a mulher do capeta, e chamar por ela, era a certeza de que ela viria, com todas
as suas pestilências e sofrimentos. Na frente da minha mãe, eu não falava, mas
descobri depois que é a minha palavra preferida para desabafar alguma raiva ou
frustração. Quando me brota uma ira, é dela que eu me lembro, e grito com
força, numa catarse. Em mim, tem o efeito oposto dos receios da minha mãe, pois
não chama nada. Coloca para fora, põe para correr. Faz sarar, traz a cura. Tem
um magnífico efeito mágico. Muitos não gostam quando me ouvem recorrer a ela.
Mas, feitas as explicações, sei que me compreendem.
Tenho amigos que não tiram determinado
palavrão da boca. Funciona quase como um bordão. Vão falando e usando este
recurso, enquanto pensam a próxima frase. Parecem copiar os gagos (como é o
termo correto?) que usam uma palavra de espera para reduzir os efeitos
catastróficos da gagueira. Como se vai ouvindo o tal palavrão, a cada duas ou
três frases, vemos que, há muito perdeu seu significado principal, servindo
unicamente de anexo para a conversa. Eu não acho bonito, mas enfim, é uma
maneira de comunicar. E você, tem alguma palavra proibida? Usa algum recurso
fonético para exortar seus males? Ou apenas os palavrões de praxe?
*Médica endocrinologista, jornalista
profissional, membro da Academia Feminina de Letras e do Instituto Histórico e
Geográfico, ambos de Montes Claros e autora do livro “Segurando a
Hiperatividade”
Numa palavra: ótimo. Abraços, Mara.
ResponderExcluirQue bom tê-lo como leitor, Marcelo! É um privilégio ser postada no Literário e ler seu comentário na quarta-feira. Muito obrigada!
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