Cabeceada
no céu da boca
* Por Fernando Yanmar Narciso
Se o mundo é redondo, faça da vida uma bola. Há
muito tempo, quando o assunto era a seleção brasileira, em vez de perguntar no
dia seguinte “O Brasil jogou contra quem?”, as pessoas perguntavam “O Brasil
ganhou de quanto?”. Bons tempos aqueles de Pelé, Garrincha, Zagallo, Carlos
Alberto, Tostão, ou até de Zico e Sócrates. Parecíamos, e às vezes fomos um
rolo compressor que achatava qualquer time que surgisse na nossa frente, com a
mesma alegria maníaca de Asterix e os gauleses partindo pra cima dos romanos.
Para qualquer país, sediar um grande evento
esportivo é algo comparável a erguer o martelo de Thor ou ser o Capitão
Nascimento esmurrando o político ladrão. A euforia é geral, não há uma pessoa
capaz de mostrar-se indiferente a tanta festa. E nós, então, que fomos
escolhidos como país-sede não apenas da copa, como também das olimpíadas de
2016? Maior honra que essa, só se Cristo virasse nosso presidente!
No entanto, por que tanto olho gordo? Por que as pessoas, pelo menos até o momento, não demonstram a menor vontade de entrar no clima da copa? O que a gente mais vê na net são nossos compatriotas torcendo para que o evento seja um fracasso, pra ver se o governo acorda pro que realmente importa. Pra que torrar tanto dinheiro com um megaevento? Tem que usar essa dinheirama é pra salvar os pobres e carentes! A gente nem sabia que tinha tanto dinheiro no país pra fazer estádio! Blablablablablááááááá...
Sabemos que um dos motivos para tanto mau agouro é
que o pessoal da internet odeia tudo e todos porque, convenhamos, o ódio é uma
emoção deliciosa- Sim, essa frase foi sarcástica.
Dentre todos os brasileiros, ninguém lutou mais
apaixonadamente pelo direito de organizar a copa no Brasil que o ex-presidente
Lula. O problema é que ele também é medalha de ouro em filme queimado. O povo
se fartou da sua mania de falar mais que pobre embaixo da chuva, e se
decepcionou porque o “maior escândalo de corrupção da história do país” foi
revelado justo em seu governo, com grandes chances de ele ser o general da
coisa toda. Sendo culpado ou inocente, ele acabou “saindo” do governo com fama
de pé-frio, logo o Brasil quer que qualquer coisa envolvendo o nome dele saia
errado por simples e imatura vingança. Se ele tivesse montado o Titanic,
torceríamos pro navio afundar.
Com a corrupção correndo solta no país, é natural
que as obras não avancem. Quase toda semana o pessoal da FIFA vem torrar a
paciência do governo, cobrando as reformas e construções de estádios que ainda
não saíram do papel. Não se cansam de repetir que a copa começou anteontem, e
que ainda não estamos em condições de receber os milhões de turistas e
torcedores que desembarcarão em nossos “maravilhosos” aeroportos a qualquer
momento. Eles parecem ter se esquecido que, tirando a copa da Alemanha em 2006,
todas as copas modernas tiveram atrasos e improvisos na véspera, e no fim deu
tudo certo.
Na África do Sul, por exemplo, na maioria dos
estádios a grama estava recém-plantada nas partidas de estréia. E, na mesma
África do Sul, a maioria dos estádios faraônicos foi abandonada, e as pessoas
que moravam antes nos terrenos continuam vivendo em favelas-containeres
improvisados pelo governo. Imaginem o que acontecerá por aqui quando a farra
acabar.
Eu não entendo patavina de futebol, mas qualquer
leigo percebe que a nossa seleção não é mais capaz de ser amada pelos
torcedores, tampouco de fazer os adversários se borrarem de medo, desde que
perdemos mais uma vez para a França na copa da Alemanha. Apesar das
insistências de todos, Dunga estava coberto de razão ao não convocar Neymar em
2010. O craque franzino ainda não tem maturidade física e emocional para ser
nosso ponto de referência. Já foi provado muitas vezes que colocar o peso dos
torcedores do país todo nos ombros dele, um adolescente deslumbrado com a fama
e quase tão vaidoso quanto Cristiano Ronaldo é uma irresponsabilidade absurda.
As últimas seleções que vieram depois do Japão dão
a impressão que estavam pouco se lixando pros jogos com a camisa amarela.
Disciplina e compromisso são indispensáveis em qualquer esporte. Para garantir
a vitória, a partir do momento da 1ª convocação, os jogadores deveriam passar a
ser propriedade da CBF em vez dos clubes. Só treinariam e jogariam com o
uniforme da CBF pelos próximos quatro anos, para evitar o desgaste dos atletas
em campeonatos nacionais e estaduais. E, mais importante, os grandes craques
deveriam receber o mesmo tratamento dos jogadores buchas. Nada de salários
astronômicos ou contratos publicitários só porque o cara é mais talentoso. Eles
ainda não aprenderam que torcedor detesta jogador estrelinha.
Quando trouxemos o Penta em 2002, apenas Felipão e
Murtosa, seu fiel escudeiro, confiavam no taco da nossa equipe. E foi com um
futebol de homem das cavernas, mas jogado com paixão e firmeza, que passamos
por cima de todo mundo e conquistamos o caneco contra todas as previsões. Foi
entrando aos 15 do segundo tempo nas eliminatórias em 2001 que Scolari nos
trouxe o caneco, em situação exatamente igual à atual. Talvez o velhinho gaúcho
ainda consiga mexer os pauzinhos e trazer mais uma vez alguns
momentos de glória ao país. Vamo nessa, esses minino! Vamo que a rede tá com
fome!
*Designer e escritor. Sites: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br
HTTP://cyberyanmar.deviantart.com e HTTP://www.facebook.com/fernandoyanmar
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Temos de terminar de arrumar a nossa pátria de chuteiras, como dizia Nelson Rodrigues, a começar pelo time.
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