quarta-feira, 9 de janeiro de 2013

O meu entusiasmo por eles só aumenta

* Por Mara Narciso

Após mais de 45 anos, a dimensão daquela noite ainda ecoa por todo o Brasil. Os jovens em cena, com a importância de cada um individualmente, dividiam o palco irmãmente, sem ataques de estrelismo, numa simplicidade que nem de longe lembra as celebridades de hoje.

Durante uma ditadura que apenas começava, não havia o monopólio das novelas, e a música inundava as telas como o clímax máximo e explosivo daqueles jovens efervescentes, que tinham muito contra o que protestar e outro tanto a dizer. Ainda têm, e ainda dizem, por volta dos 70 anos. Foram protagonistas de célebres momentos, especialmente os daquela noite, magnificamente reapresentada neste monumental documentário dirigido por Renato Terra e Ricardo Calil. Mostra cenas antigas e depois reencontra os gênios e os deixa falar a vontade, sem censura, embora eles próprios se autocensurem levemente, até pela posição icônica que ocupam.

Trata-se da final do III Festival de Música Popular Brasileira da TV Record, em 21 de outubro de 1967, no Teatro Record e o documentário é “Uma noite em 67”. A platéia, com sua participação definidora da classificação ou desclassificação das músicas aprendeu a vaiar, impedindo o cantor Sérgio Ricardo de apresentar a sua canção “Beto Bom de Bola”. Ele mostrou-se calmo no início, pediu e esperou muito, mas os apupos continuaram. Aí, toda a sua compostura desapareceu, pois, num ato insano, grita que o público venceu, bate o violão num tamborete e o lança sobre o povo. Poderia ter matado alguém, não matou, e hoje ele explica o gesto, que o tornou imortal, como de alguém que tenha se sentido acuado.

Aqueles meninos de vinte e poucos anos jamais poderiam aquilatar os tamanhos das suas importâncias e longevidade musical. Cada um deles trazia uma música para ser eternizada, e ali se tornaria um clássico, e nem sabia disso. Cantavam músicas próprias, a maioria, ou de outro, como foi o caso de Roberto Carlos que cantou “Maria, Carnaval e Cinzas” de Luiz Carlos Paraná. Quando Blota Júnior, o apresentador da noite, com toda a atenção, calma e tempo do mundo, impensáveis hoje em dia, perguntava aos cantores alguma coisa, dava atenção inteira ao que falavam, juntamente com Cidinha Campos.

As características da personalidade de cada um deles estavam definidas, e nem as quatro décadas e meia conseguiram apagar. Exceto o cigarro, fumado por todos, apresentador e entrevistados, que, enquanto respondem, soltam suas desarmônicas baforadas. O bom menino Chico Buarque, explica parte das coisas, e faz bem o seu papel de gênio tímido. Ficou em 4º lugar com sua “Roda-Viva”, ladeado pelo MPB 4, cujo arranjo enriqueceu essa formidável canção. Trazido aos tempos atuais, Chico Buarque mantém-se retraído e lamenta que ele na época, pela postura, em contraposição a Caetano Veloso e Gilberto Gil, era considerado velho, embora Caetano tenha um ano a mais que ele.

Por sua vez, Caetano Veloso queixa-se de que até hoje o público pede para que cante “Alegria, alegria”, a 3ª colocada daquela noite, coisa que não fazem em relação à Banda e a Chico Buarque. Pois lá estava o menino Caetano, querendo cantar de blusa cacharrel, apenas, mas teve de colocar um terno xadrez que muito foi visto, mesmo após o festival. Desde então, Caetano não se opunha a responder tudo, com sua magreza, seu carisma, loquacidade e explicações sobre o mundo. Pergunta Blota Júnior: “Como se deu a idéia moderna de colocar tudo junto, Coca-cola, guerrilha, canhão, Cardinalle e Brigitte Bardot?”. Ele responde simplesmente “porque é o que está acontecendo”. Sobre o que é música pop, Caetano dá as costumeiras voltas, mas acaba dizendo que é popular, em Inglês. É preciso continuar prestando atenção nele, pois sua caixinha de ideias é inesgotável.

Dá para imaginar Gilberto Gil escondido num hotel, debaixo das cobertas, com medo de enfrentar o público? Pois o diretor da Record precisou ir lá dar-lhe um banho de água e coragem, colocar-lhe as meias, para que se apresentasse naquela noite. “Era pavor”, conta Gil. O seu “Domingo no Parque”, cantado junto com “Os Mutantes” de Rita Lee, uma menina, ficou em 2º lugar. A música é um protesto social que precisa ser para sempre considerado.

A grande vencedora foi “Ponteio” de Edu Lobo e Capinam, cantada por ele e Marília Medalha. Esta música, num crescendo, faz o público explodir em alegria, gritando “já, ganhou! já ganhou!”. E ganhou mesmo. Mas esses jovens queriam mais, embora não soubessem ainda, que aquele festival os faria eternos juntamente com suas produções. Inacreditável ter sido possível reunir tantas preciosidades numa única noite.

Incompreensível, porém, é observar os brasileiros de hoje interessados em outra qualidade de música. É o que acontece quando se tira das mãos dos jovens algo pelo que valha a pena lutar, que não seja apenas fama e dinheiro.

Recortem e colem em seu navegador: http://www.youtube.com/watch?v=FOsXaaW4Pkk

*Médica endocrinologista, jornalista profissional, membro da Academia Feminina de Letras de Montes Claros e autora do livro “Segurando a Hiperatividade” – blog http://www.teclai.com.br/

6 comentários:

  1. Hoje atrasei demais a edição do Literário, por culpa exclusiva do meu provedor, o Virtua, que me deixou sem acesso à internet, alegando manutenção no sistema. Só pude acessar meus blogs a partir das 20 horas. Mas não é bem isso que me proponho a comentar. É seu excelente texto, recordando um momento importante da história da MPB. Para mim, o Tropicalismo, sucessor da Bossa Nova, “nasceu” exatamente nesse festival. Parabéns, Mara, e obrigado pela gentileza da sua preocupação. É mais um gesto delicado de amizade da sua parte que me gratifica e comove.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Dia 20 será seu aniversário, o qual envolverá décadas completas. Imagino que esteja preparando a festa. Fico feliz em ver que não é nada referente a saúde. Obrigada pelo comentário e incentivo sempre, Pedro.

      Excluir
  2. É bom lembrar os bons festivais, a riqueza da musica de vanguarda, que a historia criativa se repita embora sem ditadura, nem mesmo a ditadura democratica. Sem lenços e sem documentos preferencialmente com poesia, musica, e alegria, alegria...

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Gostoso comentário, Adailton. Obrigada pela manifestação.

      Excluir
  3. Tenho esse fantástico documentário gravado. O que me impressiona é a eclosão de tantos e fabulosos talentos ao mesmo tempo. Na época tinha só 3 anos, mas lembro de alguns flashes deste e de festivais posteriores. Ótimo texto, Mara! Abraços.

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Sou de 1955, e tinha 12 anos. Não me lembro do festival em si, Marcelo, apenas das músicas, especialmente "Alegria, Alegria" que tinha em compacto na casa da vizinha. Adorava e adoro. Esses gênios são imorríveis. Obrigada pelo comentário.

      Excluir