quinta-feira, 17 de janeiro de 2013

O retrato de Cristiano Cinzento

* Por Fernando Yanmar Narciso

Qual homem nunca sonhou ter a sorte dos galãs pegadores das novelas da Globo, ou para ser mais exato, do José Mayer? Caso atípico na dramaturgia brasileira, ele é um coroa magricela, mede 1,67m, é do interior de Minas Gerais, não segue o estereótipo dos bombadões narcisistas de hoje e, até onde sabemos, se acha muito. Mas, por razões quase incompreensíveis, a única mulher que não se despe diante dele nas novelas é a mãe dele. "Galã da cara de pedra e da braguilha aberta" como diriam minhas tias, o homem é um fenômeno com as fêmeas, e aparentemente não precisa dizer uma palavra para conquistá-las. Basta ser machão, carregá-las para o quarto nos ombros feito um fardo de café e mergulhar na cama com mulher e tudo. Da próxima vez, ela nem precisa ser arrastada, já aparece na porta dele só de cinta-liga. A lei Maria da Penha simplesmente não o atinge.

Se todos nós fôssemos adeptos do Zé Mayer Style, as delegacias femininas seriam os estabelecimentos mais rendosos do país. Se bem que tanta proteção me parece um tanto desnecessária e incompreensível, pois, até onde as entendo, mulheres dão muito valor a ser feitas de mata-borrão.

Analisemos dois fenômenos femininos atuais, a incrivelmente pegajosa música Esse cara sou eu, do Rei Roberto Carlos, e o super- galã Christian Grey, criado pelo arremedo de autora E.L James. Duas pessoas completamente diferentes, mas irresistíveis à imaginação feminina. O tal “cara” parece ter saído de uma novela de Janete Clair, totalmente dedicado ao amor de sua parceira. Um pouquinho além da conta, algumas diriam. Ele é tão apaixonado que chega a ser obcecado, um apetite insaciável como o do personagem de Michael Douglas no filme Atração Fatal. E a cereja do bolo é que ele ainda se acha o cara! Contra esse amante incansável existem dois reveses, um deles é o ator Rodrigo Lombardi, que aos olhos da audiência falhou miseravelmente na personificação “desse cara”. Se bem que a culpa não é 100% dele, e sim da Glória Perez, que a cada dia arruma um jeito de torná-lo menos palatável para as mulheres. Nem eu sou mais imaturo e impulsivo que o Capitão Théo! O outro agravante é que esse tipo de amante não cola mais nos dias de hoje. Mulheres modernas valorizam a independência acima de qualquer coisa, e esses namorados sufocadores, possessivos e controladores não constam mais no cardápio delas.

No outro extremo da corda, está Christian Grey. Ele tem tudo que mulheres procuram em seus pares: jovem, bonito, inteligente, bom de papo e ouvido e, como opcional de fábrica, ainda é um magnata cheio da grana. Mas, como nada é perfeito...

Adepto do sadomasoquismo, adora fazer sua amada, Ana Steele, de gato e sapato. A história da trilogia basicamente é que ela é uma universitária virgem, cheia de valores, que se sente deslocada do resto do mundo, e que após perder a virgindade com o Grey se vê diante de um contrato insano que a tornaria escrava sexual dele, estipulando que a moça deve estar sempre lá quando ele estiver com fogo no rabo. E, surprise-surprise, ela aceita! Na verdade, ela mal consegue esperar para ser abusada sexualmente pelo sujeito todo santo dia.

Todo mundo diz que Ana só aceitou se vender para o Christian porque o cara é milionário, boa-pinta e que, apesar de gostar de sadomasô, o estilo dele não é dos mais escatológicos. E a quantidade absurda de orgasmos matadores que ele faz a moça atingir só no primeiro livro meio que compensa o lado bizarro dele. Se o Christian fosse um motorista de ônibus gordão, bigodudo e torcedor do Funorte FC, será que alguém toparia ser amarrada à cabeceira da cama com a gravata listrada dele?

O que mais surpreende a respeito da trilogia Cinquenta Tons é que tanto homens como mulheres estão devorando esses livros. Elas elegeram o Christian Grey ao posto de novo amante perfeito, e nós, que não somos bobos nem nada, corremos atrás para tentar aprender o que ele tem que nós não temos. E ele é basicamente um cruzamento de Zé Mayer com “o cara” da música e uma pitadinha de Patrick Bateman, o Psicopata Americano.

Quer saber a verdade? Lá no fundo, tanto os homens como mulheres modernas são um bando de mal- amados. Garotas e mulheres de todo o mundo, que tal serem sinceras conosco e consigo mesmas? Minha experiência com o sexo oposto vai de escassa a nula, mas creio ter vivido o bastante para descobrir a maior verdade de todas a cerca de relacionamentos: Mulheres não gostam de homens. Simples assim. Não há uma única mulher que não fale mal de seu parceiro pelas costas. Vocês não nos toleram, simplesmente por não conseguirmos ser como os tão sonhados príncipes da ficção. Não as culpo, se eu fosse mulher também nos odiaria. Em geral, somos chauvinistas, grosseiros e ignorantes. Para cada Cristian, nascem uns 3500 homens normais.


*Designer e escritor. Site: HTTP://terradeexcluidos.blogspot.com.br

2 comentários:

  1. Uma visão madura, bem maior do que permite a sua idade. Boas análise e comparação.

    ResponderExcluir
  2. Texto forte e reflexivo, sobre padrões estereotipados...

    ResponderExcluir