domingo, 20 de janeiro de 2013

Para se viver um grande amor

* Pedro J. Bondaczuk

O poetinha Vinícius de Moraes – cujo centenário de nascimento é comemorado em 2013 – com a sua verve irresistível e seu jeito doce de poetar, escreveu inúmeros poemas sobre o amor, a maioria antológica. Seus versos são citados amiúde, por namorados ou simples paqueradores, Brasil afora, pela beleza que encerram e pela forma convincente de se cantar uma mulher. Aliás, não me lembro de nenhum deles (e nem de nenhuma das centenas de letras de canção que escreveu), em que o tema não estivesse presente, ou de forma ostensiva, ou subjacente, mediante simples sugestão. E está certo o poeta.

Nada em nossa vida é mais importante, e nos marca com maior intensidade, do que o amor que, no dizer do psicanalista Erich Fromm (creio que essa era a sua principal atividade, não sei), “é a única resposta sadia e satisfatória para o problema da existência humana”. E é de fato. Alguém duvida? Afinal, é dele que se origina a vida. Ou não é?

Sem querer contar vantagem, sou, e sempre fui, um amante inveterado. Vivi grandes amores, mas nem sempre fui bem-sucedido. Diria, até, que na maioria dos casos quebrei a cara. Ou seja, amei, sem ser correspondido. E nas três formas que conheço de amor envolvendo um homem e uma mulher (aqui não entram as tantas outras, como o que temos pela pátria, ou pela família, ou pelos amigos, ou pelo nosso time de coração, ou a Deus etc.etc.etc.).

Não sei dizer se já fui amado sem que correspondesse a quem me amou. Provavelmente não. Pelo menos nunca me chegou ao conhecimento que alguém, a quem não quisesse (ou não pudesse) corresponder estivesse me amando. Mas... nunca se sabe. Pode ser até que já tenha acontecido, sem que eu jamais me desse conta.

Citei, linhas acima, três formas que conheço de amor entre um homem e uma mulher. Antes que me perguntem quais são elas, satisfarei a curiosidade do meu paciente leitor (e haja paciência!). Devo dizer, a meu favor, que posso falar de cátedra a respeito dessas três maneiras de amar, e por experiência pessoal, não pelo que possa eventualmente ter lido, testemunhado ou ouvido.

Uma das formas em que o amor apareceu em minha vida foi a platônica. Dizem os psiquiatras e psicanalistas (e todos os que vasculham a alma humana em busca de explicações para o que, não raro, é inexplicável), que, quem ama dessa maneira, é imaturo, emocionalmente. Pode ser! No meu caso, quando isso se deu, eu tinha apenas quinze anos de idade. É preciso, portanto, dar o devido desconto. Não sei se amadureci, emocionalmente, de lá para cá. Presumo que sim.

Li, na internet, recentemente, uma declaração da doutora Heidi Tabacof a esse respeito, em que ela afirma: “Psiquicamente, ele (o amor platônico) reproduz o amor infantil pelos pais, vistos como figuras perfeitas e supervalorizadas”. Não duvido da eminente psicanalista. Pelo contrário...Até porque, o amor platônico é sempre casto e o meu, por esta menina goiana, um ano mais nova que eu, era castíssimo. Adorei-a, venerei-a, alcei-a à perfeição. Compus-lhe versos e mais versos, muitos dos quais guardo até hoje e que, posto que ingênuos, têm uma surpreendente força poética, que nunca mais consegui igualar.

Provavelmente foi a uma pessoa que vivia um amor platônico como o meu que Victor Hugo se referia, ao escrever estas poéticas linhas: “Encontrei na rua um rapaz muito pobre que estava amando. O chapéu era velho, o casaco surrado, a água atravessava-lhe os sapatos e as estrelas atravessavam-lhe a alma”. Foi isso. As estrelas atravessaram-me a alma milhares e milhares de vezes nesse período.

Claro que minha musa goiana, na flor dos seus catorze anos, me ignorou solenemente. Tratou-me, até, com respeito, mas não quis nada comigo. Certamente buscava um amor mais concreto, mais humano, mais carnal, mais pés no chão que, naquela oportunidade, eu não saberia lhe dar. Vi-a, pela última vez, numa estação de trem, quando concluí o curso ginasial em um colégio interno misto onde nós dois estudamos e voltei para São Paulo. Nunca mais nos cruzamos. Não sei para onde foi, com quem casou (se é que casou), que trajetória de vida que teve e nem mesmo se ainda está viva. Creio que esteja.

Até hoje, todavia, passado quase meio século, vejo-a, nitidamente, quando fecho os olhos, radiante, jovem, bela, envolta numa auréola de luz. Desconfio que ainda sou apaixonado, apaixonadíssimo por ela. Talvez não pela mulher real de carne e osso, mas pela imagem que restou dela em minhas retinas cansadas e em meu coração envelhecido e empedernido pelos anos.

Foi minha primeira frustração sentimental, das tantas que se seguiram. Nunca mais tive um amor platônico em minha vida. Por estranho que possa parecer para quem nunca viveu uma experiência do tipo, foi muito bom. Mas enquanto durou, claro. Depois disso, dei uma guinada completa nos meus sentimentos e atitudes. Até porque, ao avançar na adolescência, os hormônios passaram a falar mais alto do que os neurônios. Foi quando vivi o segundo tipo de amor: o puramente carnal. Foi um delírio de sensações.

Todas as mulheres, com as quais me relacionei nessa nova fase, me atraíam somente pelo físico. Amei-as, amei-as todas e demais. Mas apenas com o erotismo brotando à flor da pele. Foi uma época igualmente inesquecível. Todavia, finda a conjunção carnal, nenhuma só delas me atraiu pelo companheirismo, ou pela identidade de idéias ou por outro fator qualquer. A identificação era exclusivamente de pele, de “química” como se costuma dizer.

Mas um dia veio o terceiro tipo de amor na minha vida: completo, irrestrito, que uniu coração, corpo e alma. É certo que relutei, e muito, em aprofundar os laços afetivos com essa mulher que se apossou de todos os meus pensamentos, sentimentos e até lembranças. Plenamente correspondido, com o tempo consegui superar o medo (diria pânico) de assumir compromissos e pedi-a, finalmente, em casamento. E ela gerou-me quatro filhos fantásticos, criou-os, educou-os e tem sido, ao longo dos anos, não apenas amante, mas amiga e companheira de todos os momentos. Vivo com ela até hoje e ambos envelhecemos, suave e placidamente, sem queixas da vida que levamos. Temos, claro, nossas dificuldades de relacionamento, nossas rusgas, brigas e desavenças, como todo casal no mundo. Mas a reconciliação jamais tarda. Ah! Essas reconciliações! São o céu na terra! Para tê-las, vale a pena brigar!

Estou certo que é a esse terceiro tipo de amor que o escritor Didier Anzieu se referiu, no livro “O Eu-pele”, quando escreveu: “O amor apresenta esse paradoxo de trazer ao mesmo tempo, com o mesmo ser, o contato psíquico mais profundo e o melhor contato epidérmico”. Felizmente, é isso o que acontece conosco.

O leitor pode, a esta altura, estar perguntando: “onde entra Vinícius de Moraes em toda essa história?”. O poetinha escreveu, em um de seus poemas mais célebres, que “para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso – para viver um grande amor”. Pois bem, vivi grandes amores, e dos três tipos, conforme já detalhei. Mas posso ter tido de tudo, menos “muito siso, muita seriedade e pouco riso”. Foi tudo exatamente ao contrário. Nesta, portanto, o poetinha errou.

* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de “Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk

Um comentário:

  1. A pessoa que me diverte, consegue meu amor. Amar não é racionalizar, e muito menos ter juízo. Quem o tem não ama.

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