sábado, 19 de janeiro de 2013

Sutis como passarinhos

* Por Alberto Cohen

Vê que a vida é carcereira,
mas os versos são ariscos.
Esperam um descuido,
uma janela aberta,
uma porta encostada,
recolhem o não dito, o quase esquecido,
e vão à rua visitar conventos,
beber em tabernas, derramar-se em tinta
numa toalha de mesa,
num lenço de papel,
em paredes e muros,
no coração da mulher mais amada.
Vê que os dias são rotina,
mas os versos são mutantes.
Disfarçam-se de flores,
asas de borboletas,
promessas de amantes,
as mais absurdas promessas de amantes,
e aguardam a chegada do assobio,
do sorriso enorme,
da estrela morta,
do ressentimento,
que saibam decifrá-los e encantar-se com eles.
Vê que os anos são da terra,
mas os versos são dos tempos
e voam como pássaros selvagens
que fazem seus ninhos,
com futuro e passado,
nas mais altas montanhas do momento de agora.
Mesmo sendo livres, eles têm que pousar,
um dia numa fonte,
um dia numa crença,
um dia num pecado,
um dia nas mãos solitárias de um poeta.


• Poeta e escritor paraense

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