domingo, 1 de novembro de 2009




Conversa de padaria

*Por Fábio de Lima


Entrei na padaria e pedi um café com leite. Então um senhor do meu lado direito bateu com a mão no balcão e gritou:
– O Dida vale por três goleiros!

Enquanto eu olhava meio assustado para aquele senhor baixinho, calvo e barrigudo, mas de uma voz potente, meu café com leite foi servido no balcão.
– E o Cafú vale por 5 laterais! E o Lúcio vale por 4 zagueiros!

Resolvi pedir um pão de queijo e, apesar de ser péssimo em fazer contas, achei que com 12 jogadores a seleção não poderia entrar em campo. Foi aí que o baixinho desembestou.
– O Roque Júnior vale por 2 zagueiros! O Emerson por 5 volantes, assim como o número da camisa diz. O Roberto Carlos vale por 7 laterais! O Kaká por 7 armadores! O Zé Roberto por 4 volantes!

A vida é engraçada. Se observada de um balcão de padaria, mais ainda. Não há lugar melhor para se jogar conversa fora. Tomando um gostoso café com leite e comendo um pãozinho de queijo, bem crocante, melhor ainda. Mas a seleção do baixinho de voz de narrador de futebol tinha jogadores para encher o campo do estádio do Maracanã. Exagero a parte, era no mínimo uma seleção estranha – bastante numerosa.
– O Ronaldo vale por 10 centroavantes! O Robinho vale por 10 atacantes!

Então ele silenciou um pouco. O português da padaria gritou que o velho era louco. Todo mundo ia dar risada, quando o carequinha bateu no balcão de novo e disse o último nome. Deduzi que faltasse o Ronaldinho Gaúcho, porque esse é o queridinho do Brasil – no momento. Pensei rápido que ele diria que o Ronaldinho valeria um time inteiro, mas aí o cara exagerou.
– O Ronaldinho vale por 37 armadores!

Quase engasguei com o pão de queijo. Então o português gritou pela padaria que a seleção do Zé Boca Mole tinha exatamente 94 jogadores. Todo mundo na padaria deu risada, incluindo eu. Todo mundo não, o Zé ficou sério – impassível diante da chacota. Assim, dei meu último gole no café. Limpei a boca da farinha do pão de queijo. Levantei e fui pagar a conta. Mas para minha surpresa o Zé se atravessou na minha frente e com o dedo em riste – apontado pra mim – falou:
– E você quer saber?

Confesso que fiquei assustado.
– Você é a cara do Kaká!

Aí o velho endoidou de vez!!! Eu não pareço com o Kaká nem na cor dos olhos. Fiquei pasmo. O cara não era só louco – era também exótico. Eu estava de boca aberta olhando para o Boca Mole. Então falei para o cara:
– Você está brincando?

E o Zé Boca Mole gritou:
– Claro que estou! Você é feio pra caramba!

Todo mundo deu risada – incluindo eu. Paguei a conta e saindo da padaria escutei um tapa no balcão e um grito:
– O Brasil vai ser campeão do mundo!

Nenhum outro comentário. Agora todo mundo concordara com o Boca Mole.


*Jornalista e escritor ou “contador de histórias”, como prefere ser chamado. Atua como repórter freelancer para o jornal Diário do Comércio (SP) e é diretor de programação da Cinetvnet (TV pela WEB). Está escrevendo seu primeiro romance, DOCE DESESPERO.

2 comentários:

  1. Sua foto mostra que não tem nem de longe essas características citadas pelo Boca Mole. Pena que o silêncio ambiente tenha, pelo menos temporariamente, concordado com ele.

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  2. Saudades do Fábio e de suas histórias. Por onde andará esse nosso chapa?

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