sexta-feira, 6 de novembro de 2009


Cidades decadentes

Amigo leitor, cordialmente boa tarde.
Você já notou como “as cidades do Novo Mundo passam diretamente à decrepitude, sem se deterem no antigo”? Essa observação, aliás, não é minha, mas do personagem que venho abordando nos últimos três dias, o antropólogo, etnólogo e filósofo Claude Lévi-Strauss, que faleceu sábado passado, 31 de outubro, aos 101 anos de idade.
Essa constatação consta do seu célebre livro “Tristes Trópicos”, best-seller mundial e que merece ser lido por todos. Conscientemente, nunca pensei nisso, embora inconscientemente talvez a ideia me tivesse passado pela cabeça.
Notem que Strauss não se referiu a nenhuma cidade brasileira em particular, como São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Recife, Salvador e até mesmo Brasília, que prestes a completar seu primeiro cinqüentenário, em 21 de abril de 2010, já apresenta, em algumas regiões específicas, sinais de decrepitude. E sequer passou pelo “antigo”. Ainda não houve tempo.
Essa decadência, sem que se passe sequer pela antiguidade conservada como patrimônio histórico, pode ser observada, também, em Buenos Aires, Montevidéu, Assunção, Caracas, Bogotá e qualquer outra metrópole latino-americana ou mesmo das três Américas. Falta-nos, ainda, o sentido da tradição, que deve caminhar sempre paralela à modernidade. Afinal, quem não tem passado... dificilmente terá um futuro.
Nesse caso, Strauss observou as cidades (provavelmente tomou por base São Paulo, onde residiu e lecionou) não somente com o olhar objetivo do cientista, mas com a subjetividade característica do escritor. E expressou sua conclusão com clareza e exatidão, como compete a quem pretende fazer literatura de primeira ordem.
Claro que não pretendo fazer nenhum estudo antropológico a respeito (até porque não tenho formação acadêmica para tal) e este texto sequer tem a menor pretensão de ser um ensaio, mas mera provocação para que você reflita, antes mesmo de “saborear” o menu que lhe preparei para esta sexta-feira.
Peço licença, porém, para transcrever outro trecho de Lévi-Strauss, este um tanto mais extenso, que nos chama a atenção para outro aspecto da urbanização que raramente notamos (se é que o fazemos).
“A vida urbana apresenta um estranho contraste. Embora represente a forma mais completa e requintada de civilização, em virtude da concentração humana excepcional que realiza em espaço reduzido e da duração de seu ciclo, precipita no cadinho atitudes inconscientes, cada uma delas infinitesimal mas que, devido ao número de indivíduos que as manifestam do mesmo modo e em grau idêntico, se tornam capazes de engendrar grandes efeitos. Como exemplo, o crescimento das cidades de leste para oeste e a polarização do luxo e da miséria segundo este eixo, mas que torna incompreensível se não reconhecermos esse privilégio – ou essa servidão – das cidades que consiste, à maneira dum microscópio e, graças ao aumento que lhe é peculiar, em fazer surgir na lâmina da consciência coletiva o borbulhar microbiano das nossas ancestrais, mas sempre vivas superstições. Tratar-se-ia, de resto, de superstições?”
Neste trecho, quem falou foi o cientista, não tanto o escritor, apesar da riqueza e da variedade das metáforas de que Strauss se vale. O fenômeno da urbanização não é novo. Pelo contrário, já é bastante antigo. As primeiras cidades, na Índia, na China e no Egito, têm, pelo menos, cinco milênios.
Ocorre que até não faz muito tempo – no século XIX, por exemplo – apenas 15% da população mundial, se tanto, habitava em cidades. Hoje, há uma brutal concentração nessas “arapucas” de cimento e asfalto. Cerca de 80% dos quase sete bilhões de habitantes da Terra concentram-se nas cidades. É pertinente, pois, e oportuno, que estudemos esse fenômeno e tratemos dele cada vez com mais argúcia e fidelidade.

Boa leitura.

O Editor.

Um comentário:

  1. A grande verdade é que as cidades decaíram de forma assutadora. Tudo é ruim na maioria delas! E mais os problemas sociais que daí decorrem. Talvez fosse melhor, se houvesse equilíbrio de desenvolvimento entre cidade e campo. Talvez fosse melhor, se a cidade não expulsasse a natureza, sei lá! O fato é que erramos, e feio, ao reunir tanta gente num lugar só.

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