quarta-feira, 10 de junho de 2009




Lembranças não são saudades

* Por Seu Pedro

Já vão quarenta anos, e não esquecerei aquele dezenove de outubro e nem o que vivi em horas de encantamento, Sempre repito que “se o presente souber como estou feliz agora, não me perturbará com saudades do passado”. Assim esclareço uma vez que as pessoas confundem lembranças com saudades. São distintas. Saudades acontecem quando temos vontade de voltar no tempo e lembranças quando algo nos vem à mente, mas sem o desejo de que aconteça novamente. E em todas as lembranças que tive não consigo me explicar como aconteceu.

Era manhã, por volta das oito horas e eu passeava na Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Lá ainda funcionava a estação rodoviária da cidade. Havia uma lanchonete em que serviam chocolate na xicrinha. Naquele dia eu estava de folga. Com meus vinte e um anos, vaidoso, caprichava em meu visual, Sentia-me um rapaz lindo. O chocolate rendia tempo, saboreava-o e deixava transparecer a minha satisfação em degustá-lo. Ela se aproximou com ar de tristonha. Era uma bela jovem, uma das mais bonitas com quem então tinha tido algum bate-papo. Eu me considerava um pão. Hoje sou pão dormido que virou torrada requentada. Insinuei-me à moda daquele tempo, e nada de chamar de “gostosa” uma mulher bonita.

Iniciamos uma conversação e, confesso, com vontade de, com os meus olhares, invadir aquele corpo escultural. Mas o respeito, por quem passei a conhecer pouco antes, só me permitia um rápido olhar para a cintura de medidas tão exatas, e que pouco depois eu abraçaria. Ela disse-me que naquele dia tinha vontade de estar longe do Rio, em outra cidade igualmente maravilhosa. Embarcamos então em um ônibus com direção a Petrópolis, distante poucos quilômetros e uma hora, que também fazia viajar as vistas. Agradeci a Deus pelo verde das folhas e o colorido das penas dos pássaros vistos pela janela, principalmente quando a velocidade diminuía na subida da serra. Completavam esse romantismo as minhas mãos nas mãos daquela jovem. Beijei seu rosto.

Em Petrópolis fomos ao Museu Imperial, enquanto não vinha a vontade de almoçar. Já aos ao meio-dia, motivados pelo frio e molhados pela neblina, entramos em um restaurante e pedimos dois minestrones, uma sopa mundialmente famosa, guarnecida com queijo ralado e torradas; dois copos de vinho, a conta e um pedido: “Vamos voltar?” Concordei, e descemos a Serra de Petrópolis em meio a uma neblina, Tal era o meu encantamento, que esqueci de perguntar-lhe o nome, o endereço, ou mesmo roubar-lhe um beijo na boca. Fim de linha, pés no chão de onde partimos, ela me declarou: “Você é uma das coisas mais bela que me aconteceram”. E, de imediato, tirou da bolsa uma aliança, a repõs no dedo e complementou: “meu marido me espera. Vou fazer as pazes com ele”. Para mim também foi bom.

(*) Seu Pedro é o jornalista Pedro Diedrichs, editor do jornal Vanguarda, de Guanambi, Bahia.

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