terça-feira, 16 de junho de 2009




F. Segundo F.

* Por Risomar Fasanaro

“A vida era algo mais, o mundo era maior do que a linha onde a vista alcançava o pôr do sol.”. Esta frase de Daniel Chutorianscy de certa forma nos revela parte da essência de seu romance F. Segundo F..

O Autor é médico psiquiatra e psicoterapeuta e já tem publicados alguns livros de contos, entre eles “A um prazo da dor”, “Atlânticos e Pacíficos”, e alguns livros para crianças, além de inúmeros textos científicos.

O romance “F. Segundo F.” narra a historia de F, nascido na região amazônica e F., nascida no sul do país; e abrange o período da ditadura de 64 até o início do novo século.

Em F.,muito cedo a rebeldia se revelou e, para contê-la, a família o encaminhou para um seminário. Ali, convivendo com outros jovens que freqüentavam o Casarão, com a leitura de textos políticos vai pouco a pouco se conscientizando e tomando ciência da realidade que o cerca. Conclui o curso no Casarão e vai para o centro cultural do país. Cidade que o autor não revela se é Rio de Janeiro ou São Paulo.

A ditadura já se instalara e após concluir o curso superior, F. ingressa em uma organização clandestina. Entrega-se de corpo e alma à causa revolucionaria, e depois de algum tempo de militância é preso durante um assalto a um banco. Submetido às mais bárbaras torturas, é levado em precárias condições de saúde para um presídio.

Lá, sem os cuidados médicos de que precisava, piora muito e começam a surgir problemas de visão: a princípio um borramento; mas com o passar dos dias a visão vai diminuindo, e o força a usar o tato e a audição para tornar os corredores do presídio mais largos e menos escuros. São os frutos da tortura. O avesso do prêmio que ele, como centenas de outros que lutaram contra a ditadura, merecia.

F. é filha de um oficial, e embora não se conheçam, estão do mesmo lado, unidos pelos mesmos ideais, pois logo F se rebela contra o pai, que trabalha a serviço da ditadura. Ela conclui o curso de comunicação, e por ser destemida era, segundo o autor, “objeto de conquistas e suspiros entusiasmados da platéia masculina, não só pela beleza, não só pela inteligência, não só pela competência, não só pela delicadeza, não só pela sedução. F. caçava fatos e notícias caçava atrevimentos em sua abordagem doce e politizada”.

Ela se casa com um oficial veterinário. Ele sai do presídio, e em um curto espaço de tempo se casa, mas logo depois se separa. Ele vai lecionar em uma faculdade de comunicação e também ela já com os filhos criados, volta à vida universitária para fazer pós-graduação. É quando os dois se encontram no bar em frente à faculdade. E é a partir daí que convido o leitor a penetrar nos meandros dessa historia.

O texto de Daniel Chutorianscy é poético e nele está presente a generosa visão de mundo do Autor, e sua experiência enquanto psicoterapeuta, em lidar com a dor e a complexidade da alma humana.

Na obra, a dureza dos anos de chumbo se mescla com a profunda delicadeza dos sentimentos das personagens. F. e F. são duas pessoas feridas pelo destino, pela vida, e que mereciam a felicidade, mas esta é pássaro fugidio, e está sempre a nos escapar das mãos.

Mais que a historia de F e F, pra mim essas personagens são o símbolo dos que se arriscaram e entregaram sua juventude na luta pela liberdade e que, de uma forma ou de outra ficaram, tanto quanto F., marcados por alguma sequela no corpo, ou na alma.
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(Chutoriansz, Daniel- F. Segundo F. Rio de Janeiro, Garamond, 2007)

* Jornalista, professora de Literatura Brasileira e Portuguesa e escritora, autora de “Eu: primeira pessoa, singular”, obra vencedora do Prêmio Teresa Martin de Literatura em júri composto por Ignácio de Loyola Brandão, Deonísio da Silva e José Louzeiro. Militante contra a última ditadura militar no Brasil.

3 comentários:

  1. Boa dica de leitura, Ris, embora o tema de grande importância saiba, por outro lado, a um amargor daqueles! No entanto, nunca é demais recordar. Questão de vergonha na cara e de trajetória. Você entende bem disso, né? Parabéns.

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  2. Amor e liberdade, dois bens preciosos pela ótica de um psicanalista deve ser muito interessante. Obrigada pela bela sugestão. Parabéns e bjs.

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  3. A injustiça e o sofrimento sempre me emocionam. Tenho um pendor para gostar de mártires. Aprecio o tema. Anotado o nome do livro.Obrigada pela sugestão de leitura Risomar.

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