sexta-feira, 26 de junho de 2009




Michael Jackson ou Shirley Temple?

* Por Daniel Santos

Os meninos brancos são mais felizes. Os meninos brancos bem vestidos são ainda mais felizes. Os meninos brancos bem vestidos e que tomam sorvete, esses nem se fala. Mas melhor mesmo é viver a infância!

A infância foi, no entanto, o que vetaram ao “virtuose” da talentosa família Jackson – esse tal Michael ... nem preto nem branco, nem criança nem adulto, nem homem nem mulher: ele, sim, metamorfose ambulante!

Viveu enclausurado na Terra do Nunca, a sua Neverland, na pífia fantasia de Peter Pan. Mas este era menino por pirraça existencial e que se negava a crescer, enquanto Michael, mesmo adulto já, vivia regredido.

Quanto mais velho, mais a voz esganiçava-se na vã tentativa de se convencer (mais que ao mundo) da própria pureza, e mal disfarçava o medo de que alguém lhe dissesse que a vida não é rosa, mas encardida.

Maior o medo, maior o grito ... que nunca foi de revolta. E como se revoltar, se tinha de renovar disfarces para escapar aos mortos-vivos de “Thriller” (todos lembram da obra-prima, claro) que lhe faziam o cerco?

Pois tanto correu dos monstros que ultrapassou a própria vida e, agora, não pode mais voltar. Sim, foi-se de vez! Pequeno e indefeso em excesso para suportar uma realidade que nunca entendeu, abdicou-se!

O mundo há de prantear essa perda; mais ainda os Estados Unidos, que assinalam uma relação metafórica com o grande astro: chega a hora de os americanos saberem que, por força da crise, terminou a bonança.

Nunca mais as mansões, os carrões ... Ah, nunca mais! Mas quem lhes dirá isso? Obama está tentando, mas o poder de convencimento depende da capacidade de autocrítica, de se aceitar um pouco menor.

Ou encara-se a iminência de uma nova ordem mundial, ou restará aos americanos a zanga dos pirracentos. Aí, em vez de Michael Jackson, veremos o prodígio Shirley Temple espernear numa fúria sem glórias.

* Jornalista carioca. Trabalhou como repórter e redator nas sucursais de "O Estado de São Paulo" e da "Folha de São Paulo", no Rio de Janeiro, além de "O Globo". Publicou "A filha imperfeita" (poesia, 1995, Editora Arte de Ler) e "Pássaros da mesma gaiola" (contos, 2002, Editora Bruxedo). Com o romance "Ma negresse", ganhou da Biblioteca Nacional uma bolsa para obras em fase de conclusão, em 2001.


4 comentários:

  1. Daniel,a sua definição de quem nos pareceu ser Michael Jackson foi muito feliz. Agora é a vez do mundo o enterrar. Será que conseguiremos fazê-lo? Alguém que sempre esteve no limite entre o ser e o não ser agora encontra a morte. Conseguirá livrar-se do estado intermediário que sempre viveu, e enfim, definir-se e morrer? Vai o homem e a obra fica. Vamos deixá-lo seguir o seu caminho em paz.

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  2. Daniel

    Você captou com muita sensibilidade o verdadeiro Michael Jackson, um bailarino de enorme talento, mas que só cresceu em tamanho. Um ser que esteve sempre em cima do muro, sem saber para que lado deveria cair.Parabéns!

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  3. Obrigado, Mara e Risomar, leitoras já assíduas e atentas, pelas palavras de incentivo.

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  4. O Michael disse em entrevista que não era gay, logo ele assumiu ser homem. O que as pessoas não se conformam é que ele, ao contrário dos irmãos, não saia por aí pegando todas aproveitando-se da imensa fama. Seu texto é muito bem escrito, mas o Michael era muito mais do que alguém que viveu em cima do muro. Isso é o que as pessoas pensam dele e não a realidade.

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