Admirável
mundo novo
* Por
Clóvis Campêlo
O
ovo da serpente está na chocadeira. Creio que devemos aguardar, já
que não nos restam muitas outras opções. Como toda máquina
irracional, a chocadeira limita-se a cumprir o papel que lhe foi
designado, sendo para ela indiferente a origem do ovo a ser chocado
e, muito menos, as intenções de quem lá o colocou. Afinal, não
deve caber à máquina desafiar a determinação humana.
Se aos
venenos cabe a função de autodefesa, inerente a muitas espécias, a
peçonha difere por seu um instrumento de ataque e domínio. Por
conseguinte, é muito mais mal-intencionada. Isso, analisando as
questões sob a lógica ilógica do ser humano, pois aos animais não
cabem questionamentos sobre o que a natureza lhes destinou. Se a
composição existe é porque a ela cabe alguma função equilibrante
no seio das coisas naturais. A perfídia é unicamente humana.
Afinal, evoluímos para que?
Pensar, contrapor definições,
arquitetar planos, tudo isso faz parte da natureza humana. Aos
animais, cabe apenas o instinto de preservação da espécie e de
sobrevivência do indivíduo. As leis que regem isso não se
transformam ao sabor das conveniências, embora possam evoluir e
sofrer transformações decisivas. No equilíbrio persistente da
natureza, não há lugar para subterfúgios.
O subterfúgio escamoteia as várias faces da verdade, criando um ilusório jogo de espelhos e de falsas imagens e concepções. Muitos se perdem por aí. Muitos se arrependem depois, embora não tenham a noção do mal causado aos outros ou a si próprios e busquem explicações idiotas ou a autopunição, perdidos no vácuo inútil a que foram atirados por si mesmos.
Aos animais, também não cabe a inocência. As suas mentes animais não acumulam informações e atitudes inúteis e desnecessárias. Submetidos às tensões constantes da guerra da sobrevivência, exercitada diuturnamente, não lhes cabem definições românticas ou imbecis. É correr ou morrer.
Se nós, humanos, no uso imperfeito dos 10% da nossa
cabeça animal, não tivéssemos exagerado na elaboração de tantas
regras sociais inúteis e enganosas, talvez não estivéssemos hoje
perdidos dentro de nós mesmos, nesse labirinto imagético. Essa
ilusão nos leva a pensar que nem mesmo precisamos nos preocupar com
as nossas sobrevivências. As instituições e as normas é que devem
cuidar disso. Então, para que alimentar angústias? Nem mesmo
conseguimos mais explicar os erros de percurso. Acompanhamos a boiada
nessa vida de gado marcado. Ah!, admirável mundo novo.
Alguns acham que mesmo assim evoluímos. As novas gerações se distinguirão pela capacidade de abstração e domínio dessa nova realidade virtual e positivamente esquizofrênica (se isso for possível!). No entanto, será cada vez mais difícil e impossível estarem aqui e agora. E as suas sobrevivências poderão estar cada vez mais ameaçadas pelo tipo de comportamento mental adotado. Afinal, será mais fácil caçar pokémons do que fugir instintivamente dos perigos da vida real.
Seremos mais felizes, então? Pouco importa! Os artefatos químicos darão conta disso. Afinal, eles também são comercialmente viáveis.
*
Poeta, jornalista e radialista.
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