domingo, 15 de outubro de 2017

Ravena

Por Alexander Blok

Tudo o que é instante, tudo o que é traço
Sepultaste nos séculos, Ravena.
Como uma criança, no regaço
Da eternidade estás, serena.
Sob os portais romanos os escravos
Já não trazem mosaicos pelas vias.
O ouro dos muros arde
Nas basílicas lívidas e frias.
Os arcos dos sarcófagos desfazem,
Sob o beijo do orvalho, as cicatrizes.
Nos mausoléus azinhavrados jazem
Os santos monges e as imperatrizes.
Todo o sepulcro gela e cala,
Os muros mudos, desde o umbral,
Para não acordar o olhar de Gala*,
Negro, a queimar por entre a cal.
Das pesadas de sangue e dor e insídia
O rasto já se apaga e se descora.
Para que a voz gelada de Placídia*
Não se recorde das paixões de outrora.
O longo mar retrocedeu, longínquo.
As rosas circundaram as ameias,
Para que os restos de Teodorico
Não sonhem com a vida em suas veias.
Onde eram vinhedos — ruínas —
Gentes e casa — tudo é tumba.
Sobre o bronze as letras latinas
Troam nas lages como trompa.
Apenas no tranquilo e atento olhar
Das moças de Ravena, mudamente,
Às vezes uma sombra de pesar
Pelo irrecuperável mar ausente.
À noite, inclinado entre as colinas,
Só, pondo os séculos à prova,
Dante — perfil aquilino —
Canta para mim da Vida Nova.
 
 
Tradução de Augusto de Campos



* Poeta e dramaturgo russo.

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