Pedra na consciência
* Por
Marcelo Sguassábia
Um casal de turistas
americanos, arrependido por ter levado embora uma pedra do Coliseu há 25 anos,
resolveu devolver o "souvenir" para as autoridades romanas,
acompanhado de um pedido de desculpas.
www.bbc.com, 7 de maio
de 2009.
Se o Coliseu, o Fórum
Romano e adjacências formam um imenso conjunto de ruínas a céu aberto, é claro
que com tempestades, tremores de terra e outros flagelos geológicos e
meteorológicos a fragmentação das paredes e colunas só vai aumentando com o
passar do tempo. E isso aumenta também o acúmulo das pequenas pedras pelo sítio
histórico, resultantes desse desgaste.
Tomando como fato ser
impossível manter centenas de arqueólogos e restauradores trabalhando de sol a
sol para repor cada pedacinho de mármore ou reboco milenar ao seu lugar de
origem, tão logo venham a se desprender, é razoável supor que os fragmentos espalhados
pelo chão sejam tão valiosos para a humanidade quanto as colunas às quais
pertenciam.
Milhões de turistas
passeiam todo ano por essas ruínas. Justo ou injusto, lícito ou ilícito, ético
ou não, o fato é que eles olham para um lado, depois para o outro, assobiam uma
cançoneta napolitana com cara de quem não quer nada, agacham-se sutilmente,
fingem que estão amarrando o sapato e... pronto. Do chão direto para o bolso.
Uma pedrinha de nada a menos no Coliseu vai virar uma gema de valor
incalculável na estante de casa. Imagina só o espanto dos amigos e vizinhos
quando olharem aquela relíquia!
Fará falta? Há
controvérsias. Para cada milhão de turistas não haverá um bilhão de pedrinhas a
roçar por seus sapatos, que jamais serão recolhidas? Ou, ao contrário, o
correto será deixar que essa farofa arqueológica continue intocável, ainda que
não mais faça parte de muros, esculturas e monumentos?
Estava em frente ao
Templo de Saturno, e era sua vez de decidir o que fazer. O casal americano
acabou se arrependendo, mas ninguém viu o que fizeram e nem deu pela falta da
pedra que surrupiaram. Mas e se hoje houvesse alguém da polizia amoitado atrás
de uma coluna jônica, a postos para dar ordem de prisão assim que se abaixasse
para amarrar os sapatos? Ou uma câmera de segurança entre o polegar e o
indicador de uma daquelas estátuas sem cabeça? Talvez o flagrante acontecesse
na saída das ruínas, com a imprensa italiana com seus holofotes e microfones
pronta para registrar o momento em que fosse detido e algemado.
Por todos os deuses
romanos, o que fazer? Debatia-se nesse dilema quando sentiu o chão tremer, ao
mesmo tempo em que se ouvia um ensurdecedor toque de sirene, vindo dos lados do
Arco de Constantino.
* Marcelo Sguassábia é redator
publicitário. Blogs: WWW.consoantesreticentes.blogspot.com
(Crônicas e Contos) e WWW.letraeme.blogspot.com
(portfólio).
Tudo vai cair, estátuas vão rolar, e mais pedras poderão ir para os sapatos.
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