sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Os doze


* Por Aleksandr Blok

1

Noite negra.
Branca neve.
Vento, vento!
Nem um só homem se aguenta de pé.
Vento, vento
por este mundo de Deus!
  
O vento faz girar
a branca neve.
Há gelo debaixo da neve leve.
Resvaladios, pesados,
deslizam os passos
na rua.... Ah, coitado!
  
Entre duas casas
estenderam uma corda.
E na corda um cartaz:
Todo o poder à Assembleia Constituinte!
Uma anciã chora,
não percebe o que quer dizer
aquele cartaz.
E porquê um cartaz tão grande?
Quantas peúgas se podiam fazer para a garotada
que tem os pés gelados...
A velha, como uma galinha
espantada, atravessa um monte de neve.
Ah, virgem Santíssima,
estes bolchevistas atiram-nos à cova!
Vento que corta!
Não aguentas o frio!
E um burguês numa esquina
esconde bem o nariz.
  
Mas quem é este? De cabelo comprido
e diz em voz baixa:
Traidores!
É o fim da Rússia!
É talvez um escritor
ou um orador...
  
E aí vai um homem de saias,
esconde-se atrás do monte de neve...
Por que estás hoje triste,
camarada pope?
  
Recordas como antes
andavas de peito saído
e a cruz te fazia brilhar
a barriga aos olhos do povo?
  
Uma dama vestida de astracã
vira-se para outra:
E como temos chorado...
Nisto escorrega
e – pumba! – cai estatelada!
  
Ai, ai!
Vamos ajudá-la!
  
O vento é alegre,
alegre e cruel.
Agita as roupas
dos caminhantes,
rasga, aperta e agita
o grande cartaz:
Todo o poder à Assembleia Constituinte!...
E traz-nos estas palavras:
  
... Fizemos uma reunião...
... naquele edifício...
... discutimos...
e decidimos:
Ir prò quarto dez rublos,
dormida vinte e cinco...
... não pode ser por menos...
Vem daí...
  
Anoitece.
Esvazia-se a rua.
Só ficou um mendigo
curvado
e o vento assobia...
  
Eh, pobre homem!
Anda,
abraça-me...

Quero pão!
E depois quê?
Fora!

O céu está escuro.
Raiva, uma triste raiva
ferve nos peitos...
Raiva negra, raiva santa...

Camarada! Fica
de olhos bem abertos!

2

Voa  a neve e passeia o vento.
E os doze homens avançam.

Correias negras nos fuzis,
e à volta muitas luzes...

Entre os lábios um cigarro,
o chapéu enfiado
e nas costas um ás de ouros!

Liberdade, liberdade!

Ah, ah, vão sem a cruz!

Tra-ta-ta!

Faz frio, camarada, faz frio!

Vanka está com Kátia na taberna...
Ela leva o dinheiro na peúga!

Vanka é agora rico...
Era dos nossos e agora é soldado!

Vamos, Vanka, grande sacana burguês,
dá um chocho à minha menina!

Liberdade, liberdade,
ah, ah, vão sem a cruz!
Kátia está ocupada com Vanka,
e está ocupada com quê?...

Tra-ta-ta!

Há mil luzes à volta...
Nas costas a correia do fuzil...

Firme o passo revolucionário!
O inimigo nunca dorme!
Pega sem medo no fuzil, camarada!
Dispararemos uma bala à Santa Rússia!

A reacionária,
a das isbás,
a do cu grande!

Ah, ah, vão sem a cruz!

3

Assim é a nossa juventude:
servir na guarda vermelha,
servir na guarda vermelha,
e perder as suas cabeças loucas!

Ah, tu, pobre,
doce vida!
Dólman rasgado
e fuzil austríaco!

Para que todos os burgueses sofram,
lançaremos fogo ao mundo,
fogo ao mundo que nasceu com sangue.
Senhor, a tua bênção!

4

A neve gira, o cocheiro grita
com Vanka e Kátia no trenó!
E na berlinda levam
lanternas elétricas...
Ah, ah, arre!...

Com o capote de soldado rasgado
tem cara de bobo.
Enrola o bigode preto,
torce-o
e diverte-se...

Aqui está Vanka, de costas largas!
Aqui está Vanka, o linguareiro.
Abraça a tua Kátia, convence-a...

Ela inclina a cabeça para trás,
os seus dentes pequenos brilham como pérolas...
Ah, tu, Kátia, Kátia minha,
bochechuda!

5

Tens uma cicatriz no pescoço,
Kátia, a cicatriz de uma facada.
No peito, Kátia,
tens uma unhada fresca!

Eh, eh, dança!

Que pernas tão bonitas!

Levavas roupa de rendas;
por que não agora?
Fodias com oficiais,
por que não agora?

Fode, fode!
O coração salta-me no peito!

Recordas, Kátia, aquele oficial,
que não se salvou da navalha...
Não te lembras dele?
Ou não tens a memória fresca?

Eh, eh, refresca-a,
mete-me na cama contigo!

Polainas cinzentas levavas,
e tomavas chocolate,
ias prà cama com cadetes...
Agora vais com soldados?

Eh, eh, peca, peca!
Vais sentir a alma mais leve!

6

Outra vez se achega o cocheiro,
voa, grita, vocifera...

Alto, alto! Andriukha, socorro!
Petrukha, corre atrás dele!

Ta-tarara! ta-ta-ta-ta!
O pó de neve voa para o céu!...

O cocheiro foge com Vanka...
Uma vez mais carrega o gatilho...

Tra-tarara! Vamos dar-te uma lição,
............................................................
o que é andar com a menina de outro!

O canalha escapou-se! Verás
Como amanhã acabo contigo!

E Kátia, onde está? Morta a deixei,
com uma bala na cabeça!

Estás contente, Kátia! Não se mexe...
Jaz morta sobre a neve!...

Firme o passo revolucionário!
Não descansa o inimigo!

7

E de novo avançam os doze,
às costas levam fuzis.
E só ao pobre assassino
Não se lhe vê a cara...

Cada vez mais depressa,
os passos vão-se avivando.
Leva um lenço ao pescoço
e não se pode aguentar...

Por que estás triste, camarada?
Amigo, que te põe calado?
Por quê, Petrukha, estás triste?
Ou choras a pobre Kátia?

Eh, camaradas, companheiros,
eu gramava essa menina...
Muitas noites embriagadas
passei nos seus braços...

Pela força arrogante
dos seus olhos de fogo,
por aquele sinal vermelho
na sua coxa direita,
matei, homem fraco,
e matei-a por ciúme... ai!

Como nos incomoda este maldito!
Tu, Petka, és uma mulher?
Queres arrancar a alma
e mostrá-la a todos? Fá-lo!

Levanta o peito!
É preciso que te domines!

Este momento não é
de mimar a meninada.

É o momento de uma carga
mais forte, querido camarada!

E Petrukha demora
a pressa dos seus passos...

A cabeça levanta
e de novo se alegra...

Eh, eh!
Divertir-se não é pecado!

Fechem as casas,
porque hoje haverá saque!

Abram as adegas,
hoje divertem-se os pobres!

8

Ai, tu, que amargura!
Que morte
tenebrosa!

Rico tempo
vou passar, vou passar...

A cabeça
vou coçar, vou coçar...

E pevides de girassol
vou comer, vou comer...

E a navalha
farei servir, farei servir...

Tu, burguês, foge como um pardal!
Beberei o teu sangue,
por causa desta rapariguinha
de sobrancelhas negras...

Que descanse em paz, Senhor,
a alma da sua serva...

Que aborrecimento!

9

Não se ouve o ruído da cidade.
Sobre o Neva o silêncio é pesado.
Já se foi o guarda noturno:
ao gozo, malta, sem vinho!

Numa esquina está um burguês
com o nariz tapado.
E um cão mete-se-lhe entre os pés,
sarnoso, indeciso, com o rabo entre as pernas.

O burguês, como o cão esfomeado,
está indeciso e calado.
E o velho mundo, como um cão sarnoso,
está atrás dele com o rabo entre as pernas.

10

A tempestade põe-se furiosa,
ah, que tempestade de neve!
A dois passos não se vê nada,
com esta tempestade!

A neve gira como num funil,
a neve levanta-se como uma coluna...

Oh, que tempestade, Senhor!
Petka! Eh, deixa-te de bobagens!
De que te salvou
o ícone dourado?
Que falta de sentido, também,
pensa bem,
ou não tens sangue nas mãos
por amor da tua Katka?
Firme o passo revolucionário!

O inimigo está cada vez mais perto!

Avante, avante, avante,
povo trabalhador!

11

... E sem nenhum nome sagrado,
os doze seguem avante.
Estão dispostos a tudo,
 sem nada lamentar...

Os seus fuzis de aço apontam
contra o inimigo que não se vê...
por ruelas escuras,
onde a neve cai feroz...
E da neve mole
não podem sair as botas...

A bandeira vermelha
os olhos lhes fustiga.

Ouvem-se
os seus passos ritmados.

A qualquer momento pode despertar
o inimigo cruel.

E a neve caía nos olhos
dias e noites
sem parar...

Avante, avante,
povo trabalhador!

12

... E avançam com passo seguro...
Quem vai lá? Saia!
É apenas o vento na bandeira vermelha
que ondeia à frente...

À frente há um monte de neve gelada.
Quem vai lá? Saia!
Só um cão vadio esfomeado
aparece a coxear...

Não nos acompanhes, cão sarnoso,
ou far-te-ei cócegas com a baioneta!
E tu, velho mundo, como um cão sarnoso,
desaparece ou desfazer-te-ei!

... Mostra os dentes como um lobo faminto,
não fiques de rabo entre as pernas,
cão sarnoso, cão vadio...
Eh, responde! Quem vai lá?

Quem agita aí a bandeira vermelha?

Olha bem, que escuridão!
Quem vai lá, furtivamente,
escondendo-se atrás das casas?

Tanto faz, vou agarrar-te.
Vale mais que te entregues vivo!
Eh, camarada, será pior,
sai ou começamos a disparar!

Tra-ta-ta! E só o eco
ecoa das casas
Só a tempestade com uma risada ampla
estala na neve

Tra-ta-ta!
Tra-ta-ta!

E assim vão com passo guerreiro,
atrás do cão esfomeado,
e à frente a bandeira sangrante,
 e invisível na neve
 e imune às balas,
através da tempestade que aparece, terna,
espalhando um tesouro de pérolas de neve,
 com uma coroa de rosas brancas
- à frente vai Jesus Cristo.



Janeiro de 1918


* Poeta russo do início do século XX.

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