A arte da dúvida e do perguntar
O “motor”, que move as engrenagens do raciocínio e conduz
pensadores a descobertas de quaisquer naturezas e, até, a meras suposições ou
especulações, quando não se tem certeza das conclusões, é a dúvida. Ou, mais
precisamente, é a arte de perguntar. Sem incertezas, alimentadas pela
curiosidade, não haveria a filosofia. E, por extensão, não existiriam ciências,
nascidas das conclusões dos filósofos, provocados por dúvidas e conseqüentes perguntas.
Exagero? Não, paciente leitor, longe disso. Hoje em dia, atribui-se (para mim,
erroneamente) essa técnica de investigação, essa forma de busca da verdade a Sócrates. O que é,
afinal, o tal “método socrático” se não uma sucessão de questionamentos a
propósito de algo que queiramos saber e tentar demonstrar?
Mas seria mesmo o mítico filósofo do século V a.C. o
verdadeiro criador desse processo de investigação? Ouso afirmar que não! E no
que fundamento minha convicção? Em vários pontos. O primeiro é que Sócrates não
escreveu uma única e miserável linha em toda a sua vida. O que conhecemos de
seus diálogos, de seu método investigativo e de suas idéias, enfim, nos foram
transmitidos por Platão. Quem pode jurar que esse filósofo não exagerou, ou não
fantasiou, ou não distorceu o que relatou a respeito do pensamento de seu
mentor? Eu não poria minha mão no fogo.
O segundo ponto a que me apego para declarar que o “método
socrático” não foi criado por Sócrates é que, conforme Platão, o próprio
filósofo – que foi condenado à morte, bebendo cicuta, pelo “delito” de corromper
a juventude e ofender os deuses – teria admitido que teve por mestra e mentora
a filósofa Aspásia, que o teria orientado em seu desenvolvimento intelectual e
filosófico, sobretudo na arte da retórica. Muitos pesquisadores, das mais
diversas épocas, asseguram que foi ela a criadora, de fato, do processo
investigativo baseado em perguntas. Com, base não somente nas evidências, mas
também na lógica, para mim Aspásia foi quem “resgatou” o que ficou conhecido
como “método socrático”. E por que me refiro a “resgate” e não a “invenção”?
Por que a filosofia “nasceu” dessa forma. É impossível (e injusto) pois
atribuir tal método a fulano, beltrano ou sicrano.
A lógica diz que tudo começou com as quatro perguntas
clássicas, não respondidas ainda, convincentemente, por ninguém, até hoje: o
que sou? Onde estou? De onde venho? Para onde vou?E o que Jostein Gaard
escreveu a propósito, em seu livro “O mundo de Sofia”? O escritor norueguês
declarou: “(...) O mais interessante para nós não é saber a quais respostas
esses filósofos (os da natureza) chegaram primeiro. O que interessa é refletir
sobre as perguntas que eles fizeram e a que tipo de resposta chegaram. Para nós
é mais importante saber ‘como’ e não exatamente ‘o que’ eles pensaram (...)”.
Obviamente que concordo com essa colocação.
Jost Gaard escreveu mais: “(...) Sabemos que eles (os
filósofos da natureza) levantaram questões sobre as transformações perceptíveis
na natureza. Tentavam descobrir leis naturais que fossem também eternas.
Queriam compreender os acontecimentos na natureza sem para isso recorrer aos
mitos ancestrais. Acima de tudo queriam compreender os processos naturais
através da observação da própria natureza. Isso era algo completamente
diferente de explicar raios e trovoes, inverno e primavera, recorrendo ao mundo
dos deuses. Dessa maneira, a filosofia libertou-se da religião. Podemos dizer
que os filósofos da natureza deram os primeiros passos para o estabelecimento
de um modo científico de pensar, fundamentando todas as ciências naturais que
vieram depois (...)”.
Filosofia e religião adotam caminhos opostos na tentativa de
responder, sobretudo, ás quatro questões primordiais a nosso respeito, sobre o
mundo em que vivemos, acerca da nossa origem e nosso destino final. A primeira “duvida”
e, a cada resposta, formula novas perguntas, e sucessivamente, num processo
interminável. A segunda crê. O meio da primeira é o ceticismo. O da religião é
a fé, ou seja, a crença inabalável no que não se vê, não se ouve e que não pode
ser apreendido pelos sentidos. Ambos podem e devem conviver harmonicamente, sem
necessidade de conflitos.
As duas disciplinas tem lá sua utilidade para o homem, sem
que, necessariamente, tenham que abrir mão de suas convicções. Não é, todavia,
o que ocorre. O dogmatismo e seu nefasto “subproduto”, o fanatismo, envenenam
esse relacionamento. Num passado, nem tão remoto assim, foram inúmeros os
filósofos que foram presos, torturados e mortos, sob acusação de “heresia”. Que
direito eu tenho de coagir, agredir e eliminar quem pensa diferente do que
penso? Obviamente, nenhum! Onde a lógica desse comportamento? Não há! O defeito,
porém, não está nem na filosofia e nem na religião. Está em quem as abraça e as
segue: o homem.
Este ser tão frágil e efêmero, contudo arrogante e
prepotente, ainda está num processo de evolução, posto que mental e espiritual.
E tal processo demanda tempo, muito tempo, uma infinidade de gerações. A dúvida
que fica é: será que este animal que pensa (mas não deixa de ser, sobretudo,
animal) chegará ao desejável estado de inteligência que implique no banimento
de seus instintos de fera? Ou se destruirá antes, e a tudo o que há neste
planetazinho de tamanho ínfimo, comparável a algo menor do que um reles grão de
areia em uma praia sem fim se confrontado com o universo? Perguntas, perguntas
e perguntas....Infinitas e irrespondíveis (por enquanto) perguntas...
Boa leitura.
O Editor.
Acompanhe o Editor pelo twitter: @bondaczuk
Você sabe que não tenho respostas, e que também não tenho perguntas, Pedro, mas seu texto está instigando a ambas, perguntas e tentativas de respostas. Gostei do paralelo entre religião e filosofia. Os que usam métodos opostos não precisam ser necessariamente oponentes.
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