Querido
pai
* Por Eduardo
Oliveira Freire
A mãe me deu a carta. Como sempre, com
críticas construtivas em relação aos meus escritos. Todos acham estranho por
não me visitar na prisão. Entendo e sei que nunca me perdoará. Ultimamente
recordo-me dos tempos de criança, em que me mostrava jornais caseiros e
panfletos com seus poemas ou contos. Depois os guardava no baú velho, que
ficava no quarto da bagunça.
Lembra pai que em 1996 falei que tinha
feito, junto com Drica e Bernardo, um site de literatura? Você não gostou muito
da idéia, sempre achou que o computador aniquila a aura da criação. Pai,
estávamos tão animados em publicar nossos textos na rede e pro mundo inteiro!
Conhecíamos várias pessoas interessantes e idealistas. Independente da
tecnologia, éramos os mesmos de sua geração. Como sinto saudades daquele tempo,
dos debates que organizávamos na faculdade e nos bares! Horas e horas de
discussões que muitas vezes se transformavam em barracos históricos, os quais
ainda muitos comentam. Como me arrependo do que fiz...
Tenho até dificuldade de pensar e de
escrever, mas preciso desabafar. Namorava Drica há dois anos e Bernardo
sempre vivia conosco. Nós três éramos unha e carne. Escrevíamos juntos,
fazíamos grupos de estudos de um determinado autor e sempre estávamos na ativa
para chamar alguém interessante para os debates da faculdade.
Apesar das diferenças e discussões,
vivíamos bem. Engraçado, como num instante tudo pode mudar! O que achávamos
consistente, se desmanchou perante nossos olhos. Tinha ficado até tarde na
biblioteca e quando cheguei na quitinete, em que morava com Drica, a vi de
quatro na cama com Bernardo. Gemiam alto e pareciam vira-latas que ficavam no
Campus, cruzando na frente de todos sem pudor.
Primeiro, fiquei sem ação. Depois, um
ódio descomunal tomou conta de mim. Peguei uma faca na cozinha e matei os dois
rapidamente. Não sei como consegui fazer isso. Sou uma pessoa sedentária e sem
forças nos braços. De repente, me tornei Hércules e exterminei as feras.
Agora, tenho claro o porquê de ter
matado os dois. Não foi por ciúmes da Drica, mas por terem me excluído. Por que
não me chamaram? A gente poderia ter curtido e serviria até de inspiração para
escrevermos. Sei que é errado pensar
assim. Eles não tinham que me incluir. Será que se falassem a verdade, esta
tragédia aconteceria? Pai, seguirei o seu conselho: não vou especular sobre o “sí”. Aconteceu e devo pagar por meu
crime.
Uma jornalista me procurou. Quer
fazer uma antologia dos meus contos. Não sei se aceito. As pessoas comprarão
não pela qualidade literária, mas porque os contos foram escritos por um
assassino que matou a namorada e o melhor amigo. Quero ser reconhecido pelo meu
talento e não pela fama.
Um abraço, Pai,
P. A.
***
O pai, depois de ler a carta do filho,
fala com a mulher:
– Querida, quando for visitar P.A.,
pergunta se posso publicar esta carta no meu blog, para mostrar como o meu
filho escreve bem.
*
Eduardo Oliveira Freire é formado em Ciências Sociais
pela Universidade Federal Fluminense, está cursando Pós Graduação em Jornalismo Cultural
na Estácio de Sá e é aspirante a escritor
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