quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Originalidade em tema nada original


O amor é – e isso qualquer pessoa sabe ou no mínimo intui – o tema mais abordado por poetas de todos os tempos e lugares. Ouso dizer que não há, não houve e duvido que um dia haja qualquer deles que nunca tenha composto algum poema, um único que seja, alusivo a esse sentimento. Terá abordado (ou se não o fez, ainda irá abordar) ou o amor concreto ou o amor platônico. O amor correspondido ou o amor frustrado. O êxtase que o amor proporciona ou a dor que causa quando não dá certo etc.etc.etc. É impossível, pois, o poeta ser original na exposição da essência desse sentimento. Não consegue e não conseguirá explicá-lo, justificá-lo ou racionalizá-lo, porque ele prescinde de explicações, justificativas e racionalizações. Todavia, a originalidade é, não apenas possível, como onipresente na “forma” de exposição da experiência amorosa. Esta, pode-se dizer, tende a ser (talvez sejam) infinita. Ou quase. Ninguém a vive da mesma forma, mesmo que assim pareça e haja inúmeras semelhanças.

O poeta catarinense Harry Wiese não fugiu, pois, à regra. Destinou toda uma vertente temática, das cinco em que dividiu seu livro “IbirAMARes” (Editora Nova Letra) a esse soberano dos sentimentos. Tratou, especificamente, desse tema em oito composições. É possível que algum leitor desatento, desses distraídos, os tais “avoados” como o caracterizaria meu avô, sinta-se decepcionado com essa quantidade tão pequena de abordagens de um tema tão a gosto dos poetas. Não deveria! Se observar bem, notará que o livro todo é um vasto e original poema de amor. Amor à cidade de Ibirama. Amor à sua generosa e bela natureza. Amor ao seu povo, sua história, tradições etc.etc.etc. Tanto que o próprio título, “IbirAMARes” traz em destaque o verbo AMAR de tal sorte que fica parecendo que, ao citá-lo, e comentá-lo, cometi erro de digitação. Evidentemente, não cometi. O nome do livro é, mesmo, este, sem tirar e nem por.

Harry Wiese abre essa vertente temática com esse belíssimo poema (e chega a ser até redundante destacar a beleza de alguma composição específica, pois todas, na minha concepção são belas), que reproduzo para seu (e meu) deleite:

Alocução às rosas vermelhas

“Para que existem as rosas vermelhas,
Senão para provocar o amor-ternura,
No agreste,
Tênue na paixão infinita
E distante dos prados
De uma primavera em chamas.

Para que existem as rosas vermelhas
Senão para despertar a poesia
No meu povo,
Sofrido na luta,
Perto do rigor
De um inverno mendaz.

E nada se faz,
Tudo se aglutina.
Mais fácil é comprar consciências
Com favores mesquinhos.
Prometer soluções
Consiste em abrir crateras
É incutir nos horrores
Que olhar para o abismo
É ver o céu repleto de estrelas.

E o mundo gira
Por que gira por si mesmo.
Ah, se não girasse,
Pobre mundo!
O que seria das rosas vermelhas
Que provocam o amor-ternura
E despertam a poesia no meu povo?

A resposta, com certeza, é a própria história do tempo”.

Essa vertente temática é encerrada com outro poema, sumamente expressivo, em que o poeta, em vez de explicitar o tema “amor”, habilidosamente o “sugere”, com sensibilidade e bom gosto. Confira:

Amares 2

“Os galos da madrugada
Acompanham meu sono distante
Tentando conceder consolo
À dor exposta.
Riem-se os transeuntes tardios
Nas ruas e não me animo
A cantarolar Louis Armstrong e Frank Sinatra,
Nem canções dos tempos de euforia.
Ainda há surpresas reservadas,
Ainda há motivos de viver.
Sim, o amor revigorará
Em tempos de papoulas em flor,
E o tempo dirá: o amor é uma ordem!
Sim, o amor é uma ordem”.

Como se nota, Harry Wiese não se propõe a explicar o amor que, ademais, não é para ser explicado, mas sentido, usufruído, vivido em sua plenitude e “eternidade” (eterno enquanto dura, como declarou Vinícius de Moraes). Não procura razões para se amar, porquanto estas são incompreensíveis e inexplicáveis, É como Fernando Pessoa observou em um de seus tantos (geniais) textos: “Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma outra razão para amar senão amar. Que queres que te diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que te amo?”. E não está certo? Compete a cada um de nós nos render ao seu imperioso apelo, mais que isso, ás sua ortdem, como Clarice Lispector preceituou e confessou ter feito: “Renda-se, como eu me rendi. Mergulhe no que você não conhece como eu mergulhei. Não se preocupe em entender, viver ultrapassa qualquer entendimento”. Porquanto (ainda no terreno das citações) talvez você exclame (ou secretamente cogite) isto que Mário Quintana verbalizou: “Tão bom morrer de amor! e continuar vivendo...”. E não é?!!!


Boa leitura.

O Editor.

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