segunda-feira, 12 de janeiro de 2015

Estas areias pesadas são linguagem



* Por Assionara Souza



O último presente que você me deu foi um livro da Ana Cristina César. Comprou dois. Um pra mim e um pra ter. E fizemos como sempre fazíamos. Abrimos lá o livro num café e lemos um poema.

Agora eu fico lembrando tudo isso e me sentindo meio estúpida. De não ter percebido que eram sempre a primeira e última vez aqueles momentos todos. Fico me sentindo insensível por ter me distraído por uns instantes. Achando que tudo estava ainda por acontecer. E que nossa vida — a grande vida — estava só por começar.

Vou à estante. Pego o livro. Não sei mais qual foi o poema. Perdi-o. Perdi a entonação, talvez apressada (tentando acertar), que usei para ler o poema. Enquanto você fumava um Marlboro vermelho. Orquestrando com o olhar firme as palavras que se diluíam na fumaça do seu sopro. Tentando sacar, talvez, por que essa moça Ana Cristina César foi essa poeta Ana Cristina César.
O cheiro do café sempre dizia Manuel Bandeira. Àquele momento, nós ali, lendo "antigos e soltos". Lembrar é mais triste que escrever um poema que será esquecido.

* Escritora


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