Estas areias pesadas são linguagem
* Por
Assionara Souza
O último presente que
você me deu foi um livro da Ana Cristina César. Comprou dois. Um pra mim e um
pra ter. E fizemos como sempre fazíamos. Abrimos lá o livro num café e lemos um
poema.
Agora eu fico
lembrando tudo isso e me sentindo meio estúpida. De não ter percebido que eram
sempre a primeira e última vez aqueles momentos todos. Fico me sentindo
insensível por ter me distraído por uns instantes. Achando que tudo estava
ainda por acontecer. E que nossa vida — a grande vida — estava só por começar.
Vou à estante. Pego o
livro. Não sei mais qual foi o poema. Perdi-o. Perdi a entonação, talvez
apressada (tentando acertar), que usei para ler o poema. Enquanto você fumava
um Marlboro vermelho. Orquestrando com o olhar firme as palavras que se diluíam
na fumaça do seu sopro. Tentando sacar, talvez, por que essa moça Ana Cristina
César foi essa poeta Ana Cristina César.
O cheiro do café
sempre dizia Manuel Bandeira. Àquele momento, nós ali, lendo "antigos e
soltos". Lembrar é mais triste que escrever um poema que será esquecido.
* Escritora
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