Oportunidades
de bravura
* Por Pedro J.
Bondaczuk
Os heróis são frutos da ocasião. Não me refiro
àquele heroísmo do cotidiano, de quem encara as circunstâncias com determinação
e otimismo quando tudo é desfavorável, e que sequer é reconhecido por quem quer
que seja. O que quero ressaltar são aqueles atos de bravura, súbitos,
impulsivos e surpreendentes, em que a pessoa arrisca a própria vida, para
salvar a de alguém em risco iminente de morrer, sem medir as conseqüências.
Por exemplo, é o caso do cidadão comum e pacato, que
vê uma criança atravessar uma rua movimentada prestes a ser atropelada por um
veículo e que, sem pensar duas vezes, se atira à sua frente e a salva, podendo
ou não ser atingido pelo carro (ou caminhão, ônibus etc., não importa). Ou o de
quem entra num edifício em chamas para socorrer alguém que tenha sido cercado
pelo fogo (um bebê, um ancião, um deficiente físico) e o resgata incólume. Ou
tantas e tantas outras ações desse tipo.
Esse heroísmo confere imediata notoriedade pública a
quem o pratica. Quem tem essa oportunidade (e a aproveita, claro), ganha
manchetes de jornais, reportagens na TV, homenagens das autoridades e o carinho
da população. Nada mais justo. Todavia são raras as circunstâncias que nos
permitem que nos transformemos, em questão de segundos, de pessoas obscuras e
desconhecidas em
heróis. Muitos deles, inclusive, passados alguns dias, voltam
ao ostracismo e raramente são lembrados. Outros, chegam, até, a ganhar estátuas
em praças públicas e seus nomes são perpetuados, “batizando” ruas, escolas,
ginásios esportivos etc.
É verdade que todos podemos ser, um dia, heróis
desse tipo (não digo que seremos). Tudo depende, reitero, da oportunidade, do
acaso, do momento e não apenas disso, claro, mas de se saber agir, com determinação
e coragem, sem atentar para as conseqüências, quando formos compelidos por um
sentimento interno a atuar dessa maneira. Não há quem não sonhe, no íntimo, em
conquistar, para sempre, o respeito, a estima e a admiração gerais. E,
convenhamos, não há mal nenhum nisso.
Já que não somos heróis (ainda), contudo, não
precisamos ser covardes. As oportunidades para a covardia, ao contrário das do
heroísmo, são muitas a cada dia, e quase infinitas ao longo da vida. Mas só
depende de nós não descambarmos para essa condição jamais. Como? Fazendo a
nossa parte no mundo. Descobrindo e assumindo o
papel que nos cabe exercer na sociedade. Agindo!
A maior covardia, na minha visão, é a omissão. É
deixar de fazer o que poderíamos (e deveríamos), por medo, indiferença, egoísmo
ou qualquer outro motivo correlato. O romancista francês René Bazin (popular em
seu país, onde chegou a ser senador e membro da Academia Francesa, mas
relativamente desconhecido no Brasil) escreveu a respeito: “Só duas ou três
vezes nos aparece, na vida, uma oportunidade para mostrar que somos bravos. Mas
temos, diariamente, várias ocasiões para não ser covardes”.
E quem foi esse romancista? Foi um escritor católico
de grande destaque e popularidade na França, em fins do século XIX e boa parte
do XX (nasceu em 1853 e morreu em 1932), por exaltar, em seus livros, valores
familiares, morais, cívicos e patrióticos. Hoje, muita gente “torce o nariz”
para os seus escritos. Não deveria.
Considero
o pessimismo doentio e exacerbado como outra forma bastante comum de covardia.
Via de regra, o pessimista “de carteirinha” é, também, um omisso. Essa sua
alegada visão negativa da vida não passa, na verdade, de pretexto, amiúde
utilizado, para a omissão. Raciocina: “´Já que nada vai dar certo mesmo, por que
vou me esforçar? Por que vou ajudar os outros? Eles que se virem! Ou que cobrem
o governo, que existe para isso”, é o raciocínio de quem só vê obstáculos à sua
frente e não enxerga as oportunidades. Quem já não ouviu algum dia esse tipo de
declaração?
O
pessimista encara a vida como um sacrifício, como um profundo e sombrio vale de
lágrimas, repleto de pedras e de espinhos e de armadilhas de toda a sorte. Tolice. Falta-lhe, não somente sensibilidade,
mas, sobretudo, compreensão. Falta-lhe sabedoria para entender o que é, onde
está e com qual finalidade veio ao mundo.
O
sábio, contudo, entende, valoriza e agradece o sumo privilégio que tem: o de
viver. Releva os sofrimentos e dificuldades e considera-os nada mais do que
lições, do que exercícios que o fortalecem e vivificam. Descobre, a cada
momento, novos prismas, novos encantos, novas nuances de grandeza e beleza ao
seu redor. Valoriza a alegria, a reflexão, as amizades, o amor e a harmonia.
Enfim, sabe viver.
O
sábio, portanto, na minha visão pessoal, é sempre um herói, mesmo que não salve
jamais alguma vida, não pratique qualquer ato espetacular e arriscado e, por
isso, não chame a atenção da opinião pública. Faz o que tem que fazer com
responsabilidade e constância, sem queixas e nem cobranças. É útil, otimista,
nobre e altruísta.
O
sábio descobre o seu papel e o assume plenamente. Para quem tem sabedoria e
sensibilidade, a vida não é nenhum “castigo”, mas uma grande festa. Quem tem
essa lucidez, participa, com alegria, dessa celebração. Mas, como ressalta o
filósofo norte-americano Ralph Waldo Emerson (e eu também enfatizo), “só o
sábio” tem essa percepção. Por isso, nunca permite que o pessimismo envenene
seus pensamentos, o que o torna um verdadeiro herói.
* Jornalista, radialista e escritor. Trabalhou na Rádio Educadora de
Campinas (atual Bandeirantes Campinas), em 1981 e 1982. Foi editor do Diário do
Povo e do Correio Popular onde, entre outras funções, foi crítico de arte. Em
equipe, ganhou o Prêmio Esso de 1997, no Correio Popular. Autor dos livros “Por
uma nova utopia” (ensaios políticos) e “Quadros de Natal” (contos), além de
“Lance Fatal” (contos) e “Cronos & Narciso” (crônicas). Blog “O
Escrevinhador” – http://pedrobondaczuk.blogspot.com. Twitter:@bondaczuk
A omissão é uma covardia criminosa. Espero não incorrer nela jamais.
ResponderExcluir