A saga dos
meus quero-queros
* Por Harry Wiese
Asas de quero-quero são como coração de mãe. Esta é uma
constatação régia e verdadeira. Eram quatro filhotes já bem crescidos; veio um,
veio outro e todos se acolheram debaixo das asas da mamãe quero-quero. Olhando
de longe parecia uma tartaruga gorda e inerte no meio do gramado verde. Os
filhotes estavam protegidos contra o frio e o perigo de morte anunciada: as
corujas.
No ano passado, na mesma época, o destino foi fatal. De
repente apareceram três filhotes de quero-queros, pequeninos e ágeis a se
movimentarem no gramado que fica ao lado da Universidade onde trabalho. Durante
dias fiquei a observá-los, sempre com medo que alguma coisa de ruim pudesse
acontecer. Um dia cheguei, olhei e o gramado estava vazio. À noitinha, ouvi um
grito ameaçador e vi uma coruja cruzando os ares, à procura de mais um petisco:
filhote de quero-quero.
Agora, um ano depois, apareceu nova ninhada: quatro
quero-queros, lindos e ágeis a correrem pelo mesmo espaço verde. Preocupado com
a sobrevivência dos bichinhos, fui falar com professores de Biologia, docentes
que haviam dado uma demonstração de preservação da vida em uma reunião
acadêmica, quando no meio dos presentes, apareceu uma perereca, pulando de
desespero nas pernas das mulheres. Entre gritos e tapas, com a perereca jurada
de morte, apareceram os biólogos, pegaram a “coitada”, fizeram um carinho nela
e a colocaram a salvo numa árvore ali nas proximidades. Isto sem antes dar uma
bronca nas mulheres inimigas da “bichinha”. Foi um verdadeiro ato de amor à
vida.
Crente no auxílio dos bondosos professores de Biologia,
perguntei-lhes sobre uma estratégia para salvar os pequenos quero-queros das
corujas famintas. Decepcionado eu recebi a resposta:
– Não faça nada, quanto menos interferir, melhor! Deixe a
natureza decidir por si mesma a sorte dos quero-queros.
– Tenho medo que as corujas façam o estrago novamente –
voltei a interferir, mas o veredicto veio trágico: – se as corujas não comerem
os quero-queros, elas vão morrer de fome. Deixe a natureza fazer o equilíbrio
entre as espécies.
Levei algum tempo para entender a complicada relação e
competição entre os seres vivos.
Mesmo assim, decepcionado com os biólogos, antes tão a favor
da vida e agora tão pragmáticos e realistas, ignorando as corujas, eu acompanhei
o desenvolvimento dos quatro filhotes de quero-quero. Todo dia, antes do
trabalho, fui lá contar: um, dois, três, quatro. Às vezes, só tinha dois ou
três, mas de repente, não sei de onde vinham, estavam todos lá, procurando
comida nas pequenas galerias de larvas e minhocas no gramado.
Em caso de perigo, os pais dos bichinhos davam o sinal.
Enquanto o macho fazia rondas no ar disposto a atacar a quem aparecesse, a mãe
abria as asas e, um a um, os filhotes-aprendizes de viver se punham a salvo
debaixo das asas. Eles já eram bem crescidinhos, mas ainda não conseguiam voar.
Com o tempo passando ficaram mais fortes, mas enfrentaram
peripécias nunca vistas antes: neve, seca, enchente, cachorros, gatos, gambás e
o escambau. Driblaram as dificuldades como os quero-queros que vivem nos campos
de futebol driblam a bola e os jogadores em momentos de jogos.
Um dia quando fui vê-los, antes do trabalho, a decepção foi
grande. O gramado estava vazio. Cadê os quero-queros? O que fizeram com eles?
Surpreso eu os encontrei na rótula do trevo principal de
Indaial. Estavam todos ali a espreitar as palmeiras indaiás e carros e
caminhões passando. Como chegaram lá não sei, pois tinham que atravessar a
rodovia e os filhotes, embora já fizessem ensaios de voos, ainda não conseguiam
locomover-se pelos ares. São coisas da natureza, com certeza!
Você pensa que acabaram os problemas dos quero-queros? Três
dias depois, vieram os homens da limpeza pública, com suas potentes máquinas de
cortar grama e os bichinhos mais uma vez tiveram que driblar o destino. E o
fizeram com competência entre protestos e ataques às máquinas e homens.
Agora minha esperança é que em pouco tempo estejam aptos a
voar e que possam morar nos mais diversos gramados de Indaial. No ano que vem,
se nada mudar, tenho certeza de que novos filhotes nascerão e se aquecerão
debaixo das asas da mamãe quero-quero. Vou ficar de olho!
*
Harry Wiese é escritor que reside em Ibirama - SC. É autor de vários livros,
dentre eles A sétima caverna, romance premiado pela Academia Catarinense de
Letras.
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