Replicante
* Por
Alberto Cohen
Olhou o rio pela janela
e, subitamente, percebeu que, doravante, nada mudaria. Não mais risos de
crianças, abraços de amigos, a surpresa de um café recente perfumando a
madrugada. Dias iguais, versos iguais e a ironia de uma borboleta pousada na
parede a anunciar felicidade.
Precisava de óculos
novos ou era apenas uma lágrima o que lhe embaçava a visão? Nem se deu ao
trabalho de limpar as lentes. Sabia qual era a resposta, tantas já havia
chorado.
Papéis em branco,
papéis riscados, papéis com as esperanças de antes. Seu mundo era de papel e o
sonho se diluía na medida em que letras deixavam de habitar as folhas avulsas.
Veio o consolo: Por que escrever, afinal, se não serei lido?
Uma vez, há muito tempo,
uma menina de vestido azul e laço nos cabelos disse: És um poeta. Acreditou e
sua poesia tornou-se o que ele mesmo gostaria de ser: leve, viageiro,
transcendental. A menina de vestido azul e laço nos cabelos, no entanto, jamais
mereceu sequer um verso. Simplesmente não conseguia ir além de que ela era uma
menina de vestido azul e laço nos cabelos. Seria um verso definitivo?
Olhou pela janela o céu
e blasfemou: Ele não sabe o que é sofrer. Mandou o Filho. Imediatamente
lembrou-se da borboleta. Não estava mais na parede. Voara ou fora carregada
pelas formigas?
*
Poeta e escritor paraense
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