domingo, 12 de fevereiro de 2012







O ensino da gramática

* Por Rubem Fonseca


Você está triste?

Não sei. Talvez.

Tristeza dá câncer, sabia?

Pensei que dava verruga no nariz.

Estou falando sério.

Ultimamente você vive falando sério.

Quando eu brincava você reclamava.

Nem tanto ao mar nem tanto à terra.

Você colocou vírgula depois de mar.

Estou falando, não estou escrevendo.

Mas na sua fala tinha uma vírgula depois de mar?

Não. Você está fazendo uma análise sintática e morfológica da frase?

Na frase há o uso da figura de sintaxe chamada elipse.

Chega. É por coisas assim que eu não quero mais viver com você.

Porque eu sei gramática e você não?

Entre outras coisas.

Não gosta mais de foder comigo?

Usarei uma elipse aqui. Ou melhor, uma zeugma.

Zeugma é um substantivo masculino.

Um zeugma, então.

Significando?

Que é fácil subentender.

Subentender por que você não gosta mais de foder comigo?

Precisamente. Pensa.

Estou pensando e não consigo.

Pensa em nós dois na cama.

Você sempre se manifesta pomposamente na hora do orgasmo.

Pomposamente? Explica.

Exibição de magnificência sensual. Mímica.

Mímica?

Mímica. Muito bem-feita.

Vou fazer as malas. Diga: já vai tarde.

Já vai tarde.

E esses olhos úmidos de lágrimas?

Mímica.

Acho que vou ficar mais um pouco.

Um pouco?

Uns dias.

Dias?

Pensando bem, uns meses. Mas você me ensina gramática durante esse tempo.

Então deixa de ficar triste.

Tenho uma razão. Já estou com câncer.

Jura?

Juro. Pulmão. O cigarro.

Meu amor, vou cuidar de você.

Mas antes me ensina gramática

Texto extraído de "Axilas e outras histórias indecorosas", de Rubem Fonseca, Editora Nova Fronteira - 2011

• Escritor e roteirista de cinema

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